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Reportagem Especial - Ciganos, Conheça o fascínio do povo cigano

Conheça o fascínio do povo cigano

"O meu povo não quer ir nem vir, o meu povo quer passar". Essa frase é de Cecília Meireles, e o povo de que ela fala é o povo cigano. Cercados por estigmas e perseguições, os ciganos seguem em suas passagens pelas terras do mundo há cerca de três mil anos. O povo teve origem na antiga Índia, e a palavra cigano vem de uma antiga língua morta e significa intocável, ou aquele que faz bruxaria. Até hoje, o imaginário apresenta os ciganos com uma aura onde mistério, medo e fascinação se misturam. Mas atualmente, o povo cigano pede passagem para deixar os estereótipos para trás e serem simplesmente cidadãos brasileiros. Além de Cecília Meireles, a lista de personalidades de origem cigana no Brasil inclui até mesmo um ex-presidente, como detalha a cigana Yáskara Guelpa.

"O Brasil foi o único país do mundo que se saiba que teve um presidente cigano, que foi Juscelino Kubistchek, e mesmo assim não existem políticas anti ou pró-ciganas, e nem leis que tratem especificamente das minorias ciganas. Oficialmente os rom, sinti e kalon, que são os chamados ciganos, sequer são considerados minorias étnicas" Yáscara Guelpa é jornalista e representante do povo cigano na Comissão de Povos Tradicionais, que foi criada pelo governo há dois anos. Ela conta que os ciganos saíram da Índia por razões ainda desconhecidas. Passaram pelo Oriente e entraram na Europa pela Turquia e Grécia. A partir do êxodo pelo Oriente, os ciganos passaram a se dedicar a atividades itinerantes, atuando então como ferreiros, domando e vendendo cavalos, fazendo comércio e apresentações como saltimbancos, e claro, oferecendo a arte da adivinhação. Os ciganos que foram para o leste europeu em países como a Romênia e a Rússia são os chamados ciganos roms e falam romanês. Os kalons são aqueles que se instalaram na península ibérica, Portugal e Espanha, e falam kalé. E os sinti, que falam sinto, foram para os demais países, como Itália, Escócia e Alemanha. Os três dialetos têm a mesma origem indiana, e o Brasil recebeu ciganos desses três grupos, sendo que existem diversos clãs dentro destes grupos. No Brasil, os primeiros ciganos a chegar vieram de Portugal, no ano de 1574, como explica Yáscara Guelpa.

"Eu costumo dizer que foi João Torres o primeiro cigano que chegou aqui porque nós temos documentação da chegada dele. Entre a chegada dele e a chegada do bisavô do Juscelino, que segundo consta foi o primeiro rom que pisou no Brasil temos aí duzentos e tantos anos. Para cá vieram ciganos da península ibérica, ciganos em sua maioria portugueses. Alguns vieram porque quiseram, outros vieram porque foram impedidos de continuar vivendo em Portugal". Posteriormente, o Brasil recebeu ciganos de diversos países, sendo que nunca foi feito um mapeamento das comunidades ciganas no país. Yáskara Guelpa fala em 600 mil ciganos brasileiros, mas outras lideranças e o próprio governo mencionam que existem de 750 mil a um milhão de ciganos no Brasil. Desses, cerca de 100 mil são ciganos itinerantes que ainda viajam pelo país. A maior parte do povo cigano com residência fixa segue na invisibilidade, para se proteger do preconceito ou para manter suas tradições resguardadas dos gajés, os não ciganos. No Brasil, o reconhecimento deles como uma cultura a ser preservada é recente. Há dois anos, o governo assinou um decreto estabelecendo o dia 24 de maio como o Dia do Cigano. Nesta data, se celebra o dia de Santa Sara Kali, padroeira dos povos ciganos. Neste ano de 2008, o Ministério da Cultura criou um prêmio para valorizar a cultura cigana. Foram 20 iniciativas premiadas, que contemplaram iniciativas nas áreas de culinária, vestimenta, música e artes cênicas, joalheria, religiosidade e registros históricos e literários. O secretário de Diversidade e Identidade Cultural do Ministério da Cultura, Sérgio Mamberti, afirma que o valor dos ciganos ainda não foi reconhecido pela história brasileira, e destaca o papel que as caravanas tiveram na vida do Brasil colônia.

"Fizeram a vida cultural da colônia através das caravanas ciganas. Em cidades como Ouro Preto, por exemplo, tinha um espaço para a chegadas das caravanas, eu cheguei a ver recentemente. Ali os ciganos se reuniam e faziam os seus espetáculos. Eles faziam um pouco do que hoje faz a televisão, eles faziam circular as idéias e as expressões culturais". O céu é o nosso teto, a terra é a nossa pátria e a liberdade é a nossa religião. Essa frase é dita pelos ciganos como uma definição de sua maneira de enxergar a vida. Porém, eles reconhecem a evolução dos tempos, e a despeito de considerarem a terra como pátria, querem ser reconhecidos como cidadãos brasileiros. A advogada Mirian Stanescon é conhecida por seu trabalho na valorização do povo cigano. Ela é autora de uma cartilha editada pelo governo para o esclarecimento das comunidades sobre seus direitos e destaca que o seu trabalho agora é por reconhecimento da cidadania.

"A idéia é que todo cigano pelo menos saiba o direito que ele tem como cidadão brasileiro. Na realidade, o cigano no Brasil ou em qualquer lugar do mundo, ele se sente estrangeiro em sua própria terra. Se nós nascemos no solo brasileiro nós somos brasileiros, concorda? Os nossos antepassadas é que vieram, os meus avós vieram do Egito, outros vieram da Grécia, mas nós nascemos em solo brasileiro e brasileiros nós somos". Mirian destaca que as prioridades para o povo cigano são muitas, já que nada foi feito até hoje para as comunidades. Além de ampliar o acesso aos serviços de educação e saúde para os ciganos mais humildes, ela defende que as barracas dos ciganos itinerantes tenham o status de residência. Isso impediria que a polícia invadisse os acampamentos de forma violenta e sem ordem judicial.

A imagem mais conhecida dos povos ciganos têm duas facetas. Eles são lembrados pelo lado do estereótipo mais folclórico, das mulheres sedutoras com vestidos coloridos lendo a sorte pelas linhas das mãos, da vida aventureira sem se prender a nada. Por outro lado, a literatura e o imaginário popular associam os ciganos com roubo, trapaças e rapto de crianças. Quem já não ouviu que cigana rouba criança na rua? Poucas pessoas sabem que a família é a instituição mais sagrada para o cigano, que segue adotando o respeito pelos mais velhos como ética inquestionável. Para Farde Stephanovichil, que preside a Associação de Preservação da Cultura Cigana de São Paulo, apenas a geração de conhecimento sobre a real vida cigana pode dissolver os mitos que se firmaram ao longo da história.

"É o trabalho da formiguinha, passo a passo. Se eu viabilizar um projeto que eu possa levar nas universidades e nos colégios para falar sobre a comunidade cigana e as pessoas começarem a ter idéia do que é ser cigano, cigano se nasce, não se cria, não se transforma. Então esse trabalho de geração de conhecimento indo às universidades, aos colégios, tendo talvez a possibilidade de ter uma cadeira de ciganologia, isso faria diferença, óbvio que a longo prazo". E passo a passo, o povo cigano pede passagem, mas agora exige respeito às suas tradições sem abrir mão dos direitos como cidadãos brasileiros.

De Brasília, Daniele Lessa

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Conheça o fascínio do povo cigano Discover the fascination of the gypsy people

"O meu povo não quer ir nem vir, o meu povo quer passar". Essa frase é de Cecília Meireles, e o povo de que ela fala é o povo cigano. Cercados por estigmas e perseguições, os ciganos seguem em suas passagens pelas terras do mundo há cerca de três mil anos. O povo teve origem na antiga Índia, e a palavra cigano vem de uma antiga língua morta e significa intocável, ou aquele que faz bruxaria. Até hoje, o imaginário apresenta os ciganos com uma aura onde mistério, medo e fascinação se misturam. Mas atualmente, o povo cigano pede passagem para deixar os estereótipos para trás e serem simplesmente cidadãos brasileiros. Além de Cecília Meireles, a lista de personalidades de origem cigana no Brasil inclui até mesmo um ex-presidente, como detalha a cigana Yáskara Guelpa.

"O Brasil foi o único país do mundo que se saiba que teve um presidente cigano, que foi Juscelino Kubistchek, e mesmo assim não existem políticas anti ou pró-ciganas, e nem leis que tratem especificamente das minorias ciganas. Oficialmente os rom, sinti e kalon, que são os chamados ciganos, sequer são considerados minorias étnicas" Yáscara Guelpa é jornalista e representante do povo cigano na Comissão de Povos Tradicionais, que foi criada pelo governo há dois anos. Ela conta que os ciganos saíram da Índia por razões ainda desconhecidas. Passaram pelo Oriente e entraram na Europa pela Turquia e Grécia. A partir do êxodo pelo Oriente, os ciganos passaram a se dedicar a atividades itinerantes, atuando então como ferreiros, domando e vendendo cavalos, fazendo comércio e apresentações como saltimbancos, e claro, oferecendo a arte da adivinhação. Os ciganos que foram para o leste europeu em países como a Romênia e a Rússia são os chamados ciganos roms e falam romanês. Os kalons são aqueles que se instalaram na península ibérica, Portugal e Espanha, e falam kalé. E os sinti, que falam sinto, foram para os demais países, como Itália, Escócia e Alemanha. Os três dialetos têm a mesma origem indiana, e o Brasil recebeu ciganos desses três grupos, sendo que existem diversos clãs dentro destes grupos. No Brasil, os primeiros ciganos a chegar vieram de Portugal, no ano de 1574, como explica Yáscara Guelpa.

"Eu costumo dizer que foi João Torres o primeiro cigano que chegou aqui porque nós temos documentação da chegada dele. Entre a chegada dele e a chegada do bisavô do Juscelino, que segundo consta foi o primeiro rom que pisou no Brasil temos aí duzentos e tantos anos. Para cá vieram ciganos da península ibérica, ciganos em sua maioria portugueses. Alguns vieram porque quiseram, outros vieram porque foram impedidos de continuar vivendo em Portugal". Posteriormente, o Brasil recebeu ciganos de diversos países, sendo que nunca foi feito um mapeamento das comunidades ciganas no país. Yáskara Guelpa fala em 600 mil ciganos brasileiros, mas outras lideranças e o próprio governo mencionam que existem de 750 mil a um milhão de ciganos no Brasil. Desses, cerca de 100 mil são ciganos itinerantes que ainda viajam pelo país. A maior parte do povo cigano com residência fixa segue na invisibilidade, para se proteger do preconceito ou para manter suas tradições resguardadas dos gajés, os não ciganos. No Brasil, o reconhecimento deles como uma cultura a ser preservada é recente. Há dois anos, o governo assinou um decreto estabelecendo o dia 24 de maio como o Dia do Cigano. Nesta data, se celebra o dia de Santa Sara Kali, padroeira dos povos ciganos. Neste ano de 2008, o Ministério da Cultura criou um prêmio para valorizar a cultura cigana. Foram 20 iniciativas premiadas, que contemplaram iniciativas nas áreas de culinária, vestimenta, música e artes cênicas, joalheria, religiosidade e registros históricos e literários. O secretário de Diversidade e Identidade Cultural do Ministério da Cultura, Sérgio Mamberti, afirma que o valor dos ciganos ainda não foi reconhecido pela história brasileira, e destaca o papel que as caravanas tiveram na vida do Brasil colônia.

"Fizeram a vida cultural da colônia através das caravanas ciganas. Em cidades como Ouro Preto, por exemplo, tinha um espaço para a chegadas das caravanas, eu cheguei a ver recentemente. Ali os ciganos se reuniam e faziam os seus espetáculos. Eles faziam um pouco do que hoje faz a televisão, eles faziam circular as idéias e as expressões culturais". O céu é o nosso teto, a terra é a nossa pátria e a liberdade é a nossa religião. Essa frase é dita pelos ciganos como uma definição de sua maneira de enxergar a vida. Porém, eles reconhecem a evolução dos tempos, e a despeito de considerarem a terra como pátria, querem ser reconhecidos como cidadãos brasileiros. A advogada Mirian Stanescon é conhecida por seu trabalho na valorização do povo cigano. Ela é autora de uma cartilha editada pelo governo para o esclarecimento das comunidades sobre seus direitos e destaca que o seu trabalho agora é por reconhecimento da cidadania.

"A idéia é que todo cigano pelo menos saiba o direito que ele tem como cidadão brasileiro. Na realidade, o cigano no Brasil ou em qualquer lugar do mundo, ele se sente estrangeiro em sua própria terra. Se nós nascemos no solo brasileiro nós somos brasileiros, concorda? Os nossos antepassadas é que vieram, os meus avós vieram do Egito, outros vieram da Grécia, mas nós nascemos em solo brasileiro e brasileiros nós somos". Mirian destaca que as prioridades para o povo cigano são muitas, já que nada foi feito até hoje para as comunidades. Além de ampliar o acesso aos serviços de educação e saúde para os ciganos mais humildes, ela defende que as barracas dos ciganos itinerantes tenham o status de residência. Isso impediria que a polícia invadisse os acampamentos de forma violenta e sem ordem judicial.

A imagem mais conhecida dos povos ciganos têm duas facetas. Eles são lembrados pelo lado do estereótipo mais folclórico, das mulheres sedutoras com vestidos coloridos lendo a sorte pelas linhas das mãos, da vida aventureira sem se prender a nada. Por outro lado, a literatura e o imaginário popular associam os ciganos com roubo, trapaças e rapto de crianças. Quem já não ouviu que cigana rouba criança na rua? Poucas pessoas sabem que a família é a instituição mais sagrada para o cigano, que segue adotando o respeito pelos mais velhos como ética inquestionável. Para Farde Stephanovichil, que preside a Associação de Preservação da Cultura Cigana de São Paulo, apenas a geração de conhecimento sobre a real vida cigana pode dissolver os mitos que se firmaram ao longo da história.

"É o trabalho da formiguinha, passo a passo. Se eu viabilizar um projeto que eu possa levar nas universidades e nos colégios para falar sobre a comunidade cigana e as pessoas começarem a ter idéia do que é ser cigano, cigano se nasce, não se cria, não se transforma. Então esse trabalho de geração de conhecimento indo às universidades, aos colégios, tendo talvez a possibilidade de ter uma cadeira de ciganologia, isso faria diferença, óbvio que a longo prazo". E passo a passo, o povo cigano pede passagem, mas agora exige respeito às suas tradições sem abrir mão dos direitos como cidadãos brasileiros.

De Brasília, Daniele Lessa