Os costumes e desafios da mulher cigana
O povo cigano une diversas culturas. Mesmo apresentando semelhanças, homens e mulheres de diferentes lugares e condições sociais vivenciam desafios igualmente diferentes. Nesse sentido, a situação da mulher cigana não pode ser simplesmente classificada dentro de estereótipos já tão conhecidos. Dentro de uma cultura que parece muito machista aos não ciganos, é preciso avançar com respeito. Quem é a mulher cigana? Ou melhor, quem são as mulheres ciganas? São perguntas que essa reportagem não se atreve a responder.
A mulher cigana se casa cedo, em geral antes dos 20 anos. Os filhos são muito bem-vindos, já que a família é o valor mais importante para o cigano, seja ele de qualquer condição social. Os casamentos ainda são acertados entre as famílias, mas hoje existe uma flexibilidade maior no sentido de ouvir os noivos, saber se eles desejam a união. Edinha Cerqueira vive em Porto Seguro, na Bahia, e se casou aos 14 anos. Tranquilamente, ela explica que dentro da comunidade cigana o casamento acertado não tem nada de estranho, é cultural. Ela conta que as ciganas que conhece em sua maioria são donas de casa.
"Tem muitas mulheres com pouco estudo, não têm experiência quase nenhuma. Muitas são costureiras, fazem bordado, mas é somente para a família, entende? Ninguém também se interessa, acham que a gente vai roubar é assim. Aí a gente nem se interessa também porque as pessoas olham a gente de outro jeito, diferente de quem não é cigano". A educação é uma questão delicada para a mulher cigana. Mas há grandes diferenças entre os grupos itinerantes e as comunidades que fixaram residência. A cigana nômade tem muito mais dificuldade de acesso à educação e aos serviços de saúde do que as mulheres que vivem nas cidades, onde a convivência com os não ciganos é mais próxima. Já se encontram ciganas com formação universitária, que avaliam que a educação não interfere no orgulho que elas têm de pertencer ao povo cigano. Mas algumas vezes essa caminhada tem um preço. Paula Soria rompeu com a família para continuar os estudos. Cigana registrada no Brasil, ela que foi nômade e passou por diversos países sul-americanos. Apesar de estar distanciada da comunidade cigana, ela trabalha na tentativa de diminuir os estereótipos que envolvem o povo cigano, e que apresentam a mulher apenas como alguém que lê a mão, dança de forma sedutora e com olhares de mistério. Paula destaca que o analfabetismo entre as mulheres pode se relacionar de forma direta com a violação dos direitos.
"Eu acho que nesse momento seria o principal, se abrir para a educação. Vou te dar um exemplo: quase ninguém sabe que muitas mulheres foram esterilizadas forçadamente no leste europeu e na Espanha, recentemente elas apareceram e falaram sobre essas questões. E elas foram, entre outros motivos, porque não sabiam ler. Os médicos no leste europeu faziam as ciganas firmar um papel que dizia que elas queriam ser esterilizadas, e elas assinavam. É uma coisa simples, uma questão pragmática do que é ter seus direitos violados por nem saber ler". Mirian Stanescon é advogada e confirma que não foi fácil seguir estudando. Ela foi a primeira cigana brasileira a se graduar, em 1976, e segue trabalhando desde então pelo resgate da cidadadania do povo cigano. Mirian integra o Conselho de Promoção da Igualdade Racial e aponta que a situação das ciganas nômades é realmente mais complicada no que diz respeito à educação e aos serviços de saúde. Mirian explica que um dos costumes ciganos é que a mulher não seja tocada por outro homem que não seja o seu marido.
"A mulher cigana às vezes não vai a um ginecologista. Não estou falando dos ciganos que já estão sedentarizados não. Aqueles ciganos mais arraigados, mais tradicionais, eles ficam meio assim de deixar a mulher ir a um ginecologista homem. Até uma das minhas propostas é que quando uma cigana visita um hospital, que tenha uma ginecologista mulher, ela ficaria mais à vontade e o marido não teria aquela história de que a mulher foi tocada por outro homem. Aí as pessoas falam que é cafona, é careta. É cafona, é careta, mas é uma tradição do meu povo que a mulher não seja tocada por outro homem, e há que respeitar, não é verdade?". Mas essa não é a única questão relacionada com a saúde que afeta as mulheres ciganas. Yáscara Guelpa conhece a realidade de diferentes comunidades e faz parte da Comissão de Povos Tradicionais. Ela explica que a doença vem como uma humilhação para a mulher cigana, sendo que muitas vezes elas abandonam o tratamento assim que experimentam uma pequena melhora. Yáscara relata que as ciganas analfabetas chegam a fugir do hospital sem esperar a alta. Além disso, como a cultura cigana é bastante permissiva ao homem, ela conta que estão acontecendo casos em que os maridos passam doenças sexualmente transmissíveis para suas esposas.
"Elas não conhecem métodos contraceptivos, não usam camisinha. Estão acontecendo algumas coisas ruins, principalmente nos acampamentos, porque alguns ciganos dão um pulinho fora e alguns ciganos já andaram infectando suas esposas pelo HIV e com moléstias sexualmente transmissíveis". Em suas andanças pelos acampamentos, Yáscara tem constatado também muitos casos de consumo excessivo de álcool e depressão entre as mulheres ciganas. Segundo ela, uma certa tristeza e um incorformismo são vistos, e têm origem em razões culturais e sociais. A televisão apresenta uma realidade muito diferente do que é vivenciado entre os ciganos itinerantes, que se percebem sem escolaridade e sem condições de adquirir os produtos mostrados a todo momento na tela da TV. Aliás, esse é um problema social que não atinge apenas à parcela mais pobre do povo cigano, mas se coloca também para grande parte da população brasileira. Mas os conflitos culturais também têm se mostrado com mais força. Yáscara Guelpa conta o caso de uma jovem cigana que queria ir ao cinema de minissaia e foi rechaçada pelos pais e pela comunidade.
"E a menina saiu de calça jeans, de minissaia não podia, porque segundo as nossas regras, mulher cigana não mostra as pernas. Essa conflito vai começar a acontecer. Aquela menina de 14 anos, que já disse que não vai casar tão cedo porque ela quer terminar os estudos, ela já queria usar a minissaia. Isso vai ser normal acontecer, e acontece com os ciganos acampados, porque os ciganos não acampados, que estão em suas casas e já estão estudando, eles são mais amenos". O mundo cigano se mostra assim, como um universo com muitas facetas, onde tradição e modernidade se encaram todo o tempo. Os ciganos seguem trilhando seus caminhos e desafios, pedindo respeito por seus costumes. Como essas tradições irão permanecer dentro das comunidades, é algo que apenas o tempo dirá.
De Brasília, Daniele Lessa