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Artur de Azevedo - Contos, A Conselho do Marido por Artur de Azevedo

Estamos a bordo de um grande paquete da Messagéries Maritimes, em pleno Atlântico, entre os dois hemisférios. Dois passageiros, que embarcaram no Rio de Janeiro, um de quarenta e outro de vinte e cinco anos, conversam animadamente, sentados ambos nas suas cadeiras de bordo.

— Pois é como lhe digo, meu amiguinho! — dizia o passageiro de quarenta anos — o homem, todas as vezes que é provocado pela mulher, seja a mulher quem for, deve mostrar que é homem! Do contrário, arrisca-se a uma vingança! O caso da mulher de Putifar reproduz-se todos os dias!

— E se o marido for nosso amigo?

— Se o marido for nosso amigo, maior perigo corremos fazendo como José do Egito.

— O que você está dizendo é simplesmente horrível!

— Talvez, mas o que é preferível: ser amante da mulher de um amigo sem que este o saiba, ou passar aos olhos dele por amante dela sem o ser, em risco de pagar com a vida um crime que não praticou?

— Acha então que temos o direito sobre a mulher do próximo...?

— Desde que a mulher do próximo nos provoque. Se o próximo é nosso amigo, paciência! Não se casasse com uma mulher assim! Olhe, eu estou perfeitamente tranqüilo a respeito da Mariquinhas! Trouxe-a comigo nesta viagem porque ela quis vir; se quisesse ficar no Rio de Janeiro teria ficado e eu estaria da mesma forma tranqüilo.

— Mas o grande caso é que se um dia algum dos seus amigos... — Desse susto não bebo água. Já um deles pretendeu conquistá-la... chegou a persegui-la... Ela foi obrigada a dizer-mo para se ver livre dele... Dei um escândalo! Meti-lhe a bengala em plena Rua do Ouvidor!

Dizendo isto, o passageiro de quarenta anos fechou os olhos, e pouco depois deixava cair o livro que tinha na mão: dormia. Dormia, e aqueles sonos de bordo, antes do jantar, duravam pelo menos duas horas.

O passageiro de vinte e cinco anos ergueu-se e desceu ao compartimento do paquete onde ficava o seu camarote.

Bateu levemente à porta. Abriu-lhe uma linda mulher que se lançou nos seus braços. Era a Mariquinhas.

— Então? — perguntou ela — consultaste meu marido?

— Consultei... — Que te disse ele? — Aconselhou-me a que não fizesse como José do Egito. Amigos, amigos, mulheres à parte.

E o passageiro de vinte e cinco anos correu cautelosamente o ferrolho do camarote.

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Estamos a bordo de um grande paquete da Messagéries Maritimes, em pleno Atlântico, entre os dois hemisférios. Dois passageiros, que embarcaram no Rio de Janeiro, um de quarenta e outro de vinte e cinco anos, conversam animadamente, sentados ambos nas suas cadeiras de bordo.

— Pois é como lhe digo, meu amiguinho! — dizia o passageiro de quarenta anos — o homem, todas as vezes que é provocado pela mulher, seja a mulher quem for, deve mostrar que é homem! Do contrário, arrisca-se a uma vingança! O caso da mulher de Putifar reproduz-se todos os dias!

— E se o marido for nosso amigo?

— Se o marido for nosso amigo, maior perigo corremos fazendo como José do Egito.

— O que você está dizendo é simplesmente horrível!

— Talvez, mas o que é preferível: ser amante da mulher de um amigo sem que este o saiba, ou passar aos olhos dele por amante dela sem o ser, em risco de pagar com a vida um crime que não praticou?

— Acha então que temos o direito sobre a mulher do próximo...?

— Desde que a mulher do próximo nos provoque. Se o próximo é nosso amigo, paciência! Não se casasse com uma mulher assim! Olhe, eu estou perfeitamente tranqüilo a respeito da Mariquinhas! Trouxe-a comigo nesta viagem porque ela quis vir; se quisesse ficar no Rio de Janeiro teria ficado e eu estaria da mesma forma tranqüilo.

— Mas o grande caso é que se um dia algum dos seus amigos...

— Desse susto não bebo água. Já um deles pretendeu conquistá-la... chegou a persegui-la... Ela foi obrigada a dizer-mo para se ver livre dele... Dei um escândalo! Meti-lhe a bengala em plena Rua do Ouvidor!

Dizendo isto, o passageiro de quarenta anos fechou os olhos, e pouco depois deixava cair o livro que tinha na mão: dormia. Dormia, e aqueles sonos de bordo, antes do jantar, duravam pelo menos duas horas.

O passageiro de vinte e cinco anos ergueu-se e desceu ao compartimento do paquete onde ficava o seu camarote.

Bateu levemente à porta. Abriu-lhe uma linda mulher que se lançou nos seus braços. Era a Mariquinhas.

— Então? — perguntou ela — consultaste meu marido?

— Consultei...

— Que te disse ele?

— Aconselhou-me a que não fizesse como José do Egito. Amigos, amigos, mulheres à parte.

E o passageiro de vinte e cinco anos correu cautelosamente o ferrolho do camarote.