×

Usamos cookies para ayudar a mejorar LingQ. Al visitar este sitio, aceptas nuestras politicas de cookie.

image

Artista de Rua, Festival e teatro

Desde 2002, Salvador sedia anualmente o Festival Internacional de Artistas de Rua da Bahia. Em 2008, faltou verba para o projeto, que será retomado neste ano.

A última edição, em 2007, contou com a participação de 20 grupos de artistas de 11 países.

A idéia de reproduzir no Brasil esse tipo de festival, que é muito comum na Europa, partiu do músico alemão Bernard Snyder, que já se apresenta nas ruas há mais de 20 anos.

A diretora geral do festival, Selma Santos, cita algumas das atrações que geralmente encantam quem passa pela Cidade Baixa, perto do Mercado Modelo de Salvador.

"Acontecem vários shows simultaneamente. A gente fecha a rua, num local bem amplo. Tem música, dança, teatro. Em 2007, nós trouxemos um faquiro, uma atividade que está desaparecendo. Ele é de Gênova, na Itália. Ele engole facas, vários tipos de facas. Também o mímico iraniano Saeedi Fekri, que é muito famoso e mora na Itália há muitos anos e foi uma das atrações que mais teve público. Tem também uma dupla da Suíça que toca vários instrumentinhos, vai criando e tirando som. Trouxe discos e vendeu tudo. Não ficou nada. Tem um cara do Mali também, que vem de uma família de griô. Ele inventa os próprios instrumentos, toca o balafone desde os cinco anos. Ele aprendeu com o pai e já é uma tradição na família de 250 anos". O artista do Mali ao qual Selma se refere é Aly Keitá, que cresceu na tradição dos griôs, aqueles que transmitem a cultura e os costumes africanos oralmente, por meio de histórias e músicas.

O engolidor de facas é Marco Cardona, da Itália. E a dupla suíça Street Rats usa piano e instrumentos de percussão para mostrar a paixão pelo jazz americano de New Orleans.

Palhaços, músicos, estátuas-vivas e artistas plásticos brasileiros também exibiram sua arte no festival.

O projeto recebe o apoio de programas governamentais de incentivo à cultura.

Mas, o dia-a-dia do artista de rua brasileiro não é tão glamuroso assim. É preciso cavar um espaço aqui e buscar um apoio ali para tentar ir além daquelas apresentações muito simples que, geralmente, só recebem a indiferença do pedestre.

É o que fez o cordelista pernambucano Edmilson Santini, que decidiu unir a paixão pelo teatro à linguagem do cordel e criou o que ele chama de "teatro narrativo" ou "teatro de cordel", apresentado, é claro, nas ruas do país. "É contar as histórias como se estivesse fazendo teatro. É o teatro narrativo, em que se pode contar e cantar. Se você tiver condições, como narrador, de dar conta desse recado e de se transformar em diversos personagens, como eu faço, narrando e cantando, aí você serve a esse teatro narrativo". Seja nas ruas de São Paulo ou do Rio, Edmilson Santini trata de usar sua literatura de cordel para provocar reflexões no público e aproximá-lo dos mais variados temas, mesmo que sejam complexos.

A Rádio Câmara encontrou o cordelista pernambucano em plena Semana Nacional da Ciência e Tecnologia, que comemorava, no Largo da Carioca, os 150 anos da Teoria da Seleção Natural, elaborada pelo naturalista britânico Charles Darwin.

E quem disse para Edmilson que Darwin não combina com cordel?

"A linguagem do cordel, juntando a oralidade, é uma poética que populariza qualquer tema. Por exemplo: ´voltando da volta ao mundo, Darwin parecia, então, um ser saído do fundo da vida em evolução. Darwin tinha crescido e se logo percebido por amigos e parentes. Até para os indiferentes, o Darwin tinha evoluído, enfim´. A ciência lá e o homem aqui; aí junta isso, que é a popularização da ciência, e aí tem a literatura de cordel como responsável". Além de entreter, a arte na rua realmente pode provocar reflexões e mobilizações do povo.

Em plena ditadura militar, o artista Ary José de Oliveira, mais conhecido como Ary Para-Raios, reuniu, em Brasília, um grupo de poetas, músicos e atores que abordavam e debatiam temas contemporâneos por meio de performances teatrais.

Trata-se do Esquadrão da Vida Ary Pára-Raios, que, durante anos, apresentou nas ruas a sua "Coluna do Jeca", numa referência divertida à Coluna Prestes. As apresentações sempre aconteciam nas quadras da capital, nas periferias das cidades satélites e até em temporadas nas ruas de São Paulo, Minas, Goiás e Mato Grosso.

Ary Pára-Raios morreu em 2003, mas sua filha, a atriz e diretora Mayra Oliveira, prometeu não deixar a história de alegria e reflexão do grupo acabar.

"Nasceu como uma procissão da alegria. Meu pai convocou os artistas da cidade e a população para ir brincando. O Tetê Catalão, jornalista aqui da cidade, deu o nome, então, de Esquadrão da Vida em contrapeso a ´esquadrão da morte´, quer dizer, como uma briga contra tudo o que é ruim e tudo o que estava acontecendo na época, aquele clima ainda da ditadura. O grupo continua ativo. Este ano é marcante porque a gente vai fazer 30 anos e a gente decidiu voltar para as ruas pela primeira vez sem meu pai, mas com esse mesmo espírito de briga. A nossa grande manifestação hoje é a ´guerrilha do bom humor´". No Rio de Janeiro, foi o Grupo Tá na Rua que surgiu, inicialmente, como uma resistência da arte à ditadura militar e hoje também celebra a democracia, a alegria e os 30 anos de atividade nas ruas.

O grupo foi criado no fim da década de 70 pelo ator e diretor Amir Haddad. Ele segue à frente do projeto com o mesmo entusiasmo inicial, pesquisando e descobrindo novas formas de interagir com o público e de popularizar a arte.

"Os espaços concedidos e permitidos pela ditadura estavam todos contaminados. Não havia como ter liberdade. Então, a praça, a rua era uma alternativa boa. Resolvi ampliar essa idéia de o espaço do teatro não ser um lugar de controle e, ao mesmo tempo, que a manifestação popular deve ser acessível a todos que estiverem nas ruas e não apenas àqueles que entraram em um espaço. Por isso, nós fomos para a rua investigar o espaço: como é trabalhado o espaço livre da ideologia e livre da arquitetura, só com a paisagem urbana e os moradores da cidade". Esse trabalho de pesquisa na rua, conduzido por grupos como o Tá na Rua, de Hadad e o Esquadrão da Vida, de Pararrayos, tem sido determinante para o aprimoramento da relação artista-público no espaço democrático que é a rua.

De Brasília, José Carlos Oliveira

Learn languages from TV shows, movies, news, articles and more! Try LingQ for FREE
Desde 2002, Salvador sedia anualmente o Festival Internacional de Artistas de Rua da Bahia. Em 2008, faltou verba para o projeto, que será retomado neste ano.

A última edição, em 2007, contou com a participação de 20 grupos de artistas de 11 países.

A idéia de reproduzir no Brasil esse tipo de festival, que é muito comum na Europa, partiu do músico alemão Bernard Snyder, que já se apresenta nas ruas há mais de 20 anos.

A diretora geral do festival, Selma Santos, cita algumas das atrações que geralmente encantam quem passa pela Cidade Baixa, perto do Mercado Modelo de Salvador.

"Acontecem vários shows simultaneamente. A gente fecha a rua, num local bem amplo. Tem música, dança, teatro. Em 2007, nós trouxemos um faquiro, uma atividade que está desaparecendo. Ele é de Gênova, na Itália. Ele engole facas, vários tipos de facas. Também o mímico iraniano Saeedi Fekri, que é muito famoso e mora na Itália há muitos anos e foi uma das atrações que mais teve público. Tem também uma dupla da Suíça que toca vários instrumentinhos, vai criando e tirando som. Trouxe discos e vendeu tudo. Não ficou nada. Tem um cara do Mali também, que vem de uma família de griô. Ele inventa os próprios instrumentos, toca o balafone desde os cinco anos. Ele aprendeu com o pai e já é uma tradição na família de 250 anos".

O artista do Mali ao qual Selma se refere é Aly Keitá, que cresceu na tradição dos griôs, aqueles que transmitem a cultura e os costumes africanos oralmente, por meio de histórias e músicas.

O engolidor de facas é Marco Cardona, da Itália. E a dupla suíça Street Rats usa piano e instrumentos de percussão para mostrar a paixão pelo jazz americano de New Orleans.

Palhaços, músicos, estátuas-vivas e artistas plásticos brasileiros também exibiram sua arte no festival.

O projeto recebe o apoio de programas governamentais de incentivo à cultura.

Mas, o dia-a-dia do artista de rua brasileiro não é tão glamuroso assim. É preciso cavar um espaço aqui e buscar um apoio ali para tentar ir além daquelas apresentações muito simples que, geralmente, só recebem a indiferença do pedestre.

É o que fez o cordelista pernambucano Edmilson Santini, que decidiu unir a paixão pelo teatro à linguagem do cordel e criou o que ele chama de "teatro narrativo" ou "teatro de cordel", apresentado, é claro, nas ruas do país.

"É contar as histórias como se estivesse fazendo teatro. É o teatro narrativo, em que se pode contar e cantar. Se você tiver condições, como narrador, de dar conta desse recado e de se transformar em diversos personagens, como eu faço, narrando e cantando, aí você serve a esse teatro narrativo".

Seja nas ruas de São Paulo ou do Rio, Edmilson Santini trata de usar sua literatura de cordel para provocar reflexões no público e aproximá-lo dos mais variados temas, mesmo que sejam complexos.

A Rádio Câmara encontrou o cordelista pernambucano em plena Semana Nacional da Ciência e Tecnologia, que comemorava, no Largo da Carioca, os 150 anos da Teoria da Seleção Natural, elaborada pelo naturalista britânico Charles Darwin.

E quem disse para Edmilson que Darwin não combina com cordel?

"A linguagem do cordel, juntando a oralidade, é uma poética que populariza qualquer tema. Por exemplo: ´voltando da volta ao mundo, Darwin parecia, então, um ser saído do fundo da vida em evolução. Darwin tinha crescido e se logo percebido por amigos e parentes. Até para os indiferentes, o Darwin tinha evoluído, enfim´. A ciência lá e o homem aqui; aí junta isso, que é a popularização da ciência, e aí tem a literatura de cordel como responsável".

Além de entreter, a arte na rua realmente pode provocar reflexões e mobilizações do povo.

Em plena ditadura militar, o artista Ary José de Oliveira, mais conhecido como Ary Para-Raios, reuniu, em Brasília, um grupo de poetas, músicos e atores que abordavam e debatiam temas contemporâneos por meio de performances teatrais.

Trata-se do Esquadrão da Vida Ary Pára-Raios, que, durante anos, apresentou nas ruas a sua "Coluna do Jeca", numa referência divertida à Coluna Prestes.

As apresentações sempre aconteciam nas quadras da capital, nas periferias das cidades satélites e até em temporadas nas ruas de São Paulo, Minas, Goiás e Mato Grosso.

Ary Pára-Raios morreu em 2003, mas sua filha, a atriz e diretora Mayra Oliveira, prometeu não deixar a história de alegria e reflexão do grupo acabar.

"Nasceu como uma procissão da alegria. Meu pai convocou os artistas da cidade e a população para ir brincando. O Tetê Catalão, jornalista aqui da cidade, deu o nome, então, de Esquadrão da Vida em contrapeso a ´esquadrão da morte´, quer dizer, como uma briga contra tudo o que é ruim e tudo o que estava acontecendo na época, aquele clima ainda da ditadura. O grupo continua ativo. Este ano é marcante porque a gente vai fazer 30 anos e a gente decidiu voltar para as ruas pela primeira vez sem meu pai, mas com esse mesmo espírito de briga. A nossa grande manifestação hoje é a ´guerrilha do bom humor´".

No Rio de Janeiro, foi o Grupo Tá na Rua que surgiu, inicialmente, como uma resistência da arte à ditadura militar e hoje também celebra a democracia, a alegria e os 30 anos de atividade nas ruas.

O grupo foi criado no fim da década de 70 pelo ator e diretor Amir Haddad. Ele segue à frente do projeto com o mesmo entusiasmo inicial, pesquisando e descobrindo novas formas de interagir com o público e de popularizar a arte.

"Os espaços concedidos e permitidos pela ditadura estavam todos contaminados. Não havia como ter liberdade. Então, a praça, a rua era uma alternativa boa. Resolvi ampliar essa idéia de o espaço do teatro não ser um lugar de controle e, ao mesmo tempo, que a manifestação popular deve ser acessível a todos que estiverem nas ruas e não apenas àqueles que entraram em um espaço. Por isso, nós fomos para a rua investigar o espaço: como é trabalhado o espaço livre da ideologia e livre da arquitetura, só com a paisagem urbana e os moradores da cidade".

Esse trabalho de pesquisa na rua, conduzido por grupos como o Tá na Rua, de Hadad e o Esquadrão da Vida, de Pararrayos, tem sido determinante para o aprimoramento da relação artista-público no espaço democrático que é a rua.

De Brasília, José Carlos Oliveira