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Artista de Rua, Em busca de respeito e dignidade

É dura a vida dos talentosos e criativos artistas que perambulam pelas ruas brasileiras.

Eles penam com a indiferença de parte do público, com o rapa policial e, literalmente, têm de fazer malabarismos para sobreviver.

Com exceção de uma pequena minoria que já consegue patrocínio para suas apresentações, a grande parte dos artistas de rua recebe gorjetas como pagamento.

Fã incondicional da arte mostrada na rua, o empresário carioca Kauê Lindem é dono de uma empresa que hospeda sites na internet.

Um deles é o www.artistaderua.com, criado por Lindem para divulgar o trabalho dos artistas e permitir que eles ampliem a possibilidade de ser contratados para shows.

O empresário conta em que condição encontrou a maioria desses artistas.

"Esses artistas são bem excluídos mesmo da opinião pública. Alguns deles ganham uma grana satisfatória, mas a maioria é ´bicho solto´ mesmo. Tanto é que, em dois anos em que estamos filmando, dois morreram: um foi assassinado e outro teve uma doença pega por meio (da ingestão) de carne de porco. Então, eles são classe C mesmo, no contexto geral". E haja criatividade para conseguir um dinheirinho. É justamente na hora de passar o chapéu para recolher as gorjetas que o público começa a se dispersar.

Aquela rodinha de curiosos que havia se formado em torno do artista desaparece em segundos. Kauê Lindem fala sobre as artimanhas que alguns artistas de rua usam para tentar garantir um troco.

"Alguns têm algum produto. O Pit, que faleceu, vendia o bonequinho do Pit. Mas, no geral, é o chapéu. Os capoeiristas fazem rodas de capoeira e colocam uns espetáculos de magia no meio e vendem uns cordõezinhos que eles dizem que, na realidade, estão dando de presente para quem dá contribuição para eles. Tem um que vende sabão. No meio do show, ele aproveita que está todo mundo ali vendo as mágicas, tira uma caixa de sabão e começa a dizer que aquele sabão tira catinga, faz piadas com o sabão e fala para as pessoas contribuírem comprando sabão. É bem criativo, muita loucura". "Tem mulher aí que tem o cabelo bonito, o cabelo grandão, bate em cima da bunda, tira onda no meio da rua, mas quando chega em casa tem até medo de pentear o cabelo. Ela pega o pente e sai isso aqui ó: o cabelo vem todo na mão. Quem perde cabelo tem caspa e seborreia. Aqui estão o jaborandi e a manteiga de cacau. Hei, hei. Tem homem aí que ri de mim e tudo, mas o miserável não pode nem fazer uma barba. Se fizer a barba hoje, amanhã a cara dele parace uma jaca, cheia de caroço". Já Indiara, da tribo caiapó, no Pará, costuma vender artesanato indígena nos grandes centros urbanos do país e conta com a boa vontade dos turistas estrangeiros.

"O meu trabalho é artesanato para ajudar os outros índios que estão passando necessidades. Então, a gente trabalha para ajudar outras aldeias de outras etnias. Muita gente, principalmente os gringos, leva o nosso trabalho para fora". No Festival Internacional dos Artistas de Rua da Bahia, impera a tradição do chapéu.

A organizadora do evento, Selma Santos, afirma que, às vezes, a arrecadação é surpreendente.

"Isso é característica dos festivais de rua. O dinheiro do artista vem do chapéu e da disponibilidade de público. A surpresa para a gente aqui foi essa disponibilidade do público baiano. Eu já vi pessoas botando 50 reais no chapéu. Eu vi, era um grupo de Belo Horizonte com um italiano, que foi um sucesso na primeira edição. Então, as pessoas se encantam com aquilo e colocam de 50 centavos a 50 reais. É uma característica: você tem que passar o chapéu. Esse é o pagamento do artista". Mas passar o chapéu está longe da unanimidade. Muitos artistas se sentem constrangidos de ter de implorar por gorjeta ou outro tipo de pagamento.

Mayra Oliveira, que dirige, em Brasília, o grupo de teatro de rua Esquadrão da Vida Ary Para-raios, acredita que a tradição do chapéu acaba ampliando o preconceito contra os artistas de rua.

"A gente não passa chapéu. Essa não é a prática do esquadrão. Na verdade, a gente entende, mas é contra. Quando eu falo que a gente entende é porque isso é uma coisa que já vem da antiguidade. Desde a Commedia dell´Arte se passa o chapéu. Mas acho que os tempos mudaram. Eu sempre fico muito constrangida e chateada quando vejo algum garoto, que não é menino de rua, no sinal de trânsito, pedindo dinheiro e fazendo malabarismo. Essa profissão tem um glamour muito grande, mas ela não é respeitada. E acho que, no momento em que se passa o chapéu, está se legitimando isso". Segundo Mayra Oliveira, o governo deveria encontrar meios de incentivar e patrocinar a arte na rua.

O Esquadrão da Vida, que completa 30 anos de atividade, costuma realizar trabalhos em parceria com ONGs ambientalistas, como o WWF e o SOS Mata Atlântica.

Recentemente, a Petrobras desembolsou recursos em apoio ao projeto de resgate do acervo de documentos audiovisuais e iconográficos do grupo de teatro carioca Tá na Rua, por ser referência nacional na pesquisa, formação e criação do teatro de rua.

O diretor do grupo, Amir Haddad, espera que iniciativas como essa se proliferem no mundo da arte na rua.

"São 30 anos de trabalho, então, a Petrobras nos apoiou nesse resgate da memória. Foi muito bom. Eu gostaria que a Petrobras nos apoiasse mais nas nossas atividades de manutenção do grupo, coisa que nunca tivemos. Trabalhamos com muita dificuldade nesses 30 anos". Mas é raro encontrar um apoio oficial ou mesmo privado aos artistas de rua.

Geralmente, são estes bravos homens e mulheres que financiam a própria produção artística e contam com o incerto retorno financeiro vindo de gorjetas e doações.

Quando Kauê Lindem criou o site de divulgação www.artistaderua.com, a idéia era usar a internet para universalizar espetáculos que, muitas vezes, se perdem entre um olhar e outro no burburinho das grandes cidades.

"O site, na realidade, serve para eles divulgarem os trabalhos deles. No site mesmo, a gente passa o telefone de contato direto com o artista. Já teve caso de o artista achar que a gente está explorando a imagem dele indevidamente e a gente, então, retira do site. Mas, no geral, a gente não tem tido esse problema. A gente não quer atuar como uma agência dos artistas. O nosso trabalho é repassar o contato direto, que não é uma prática comum das agências, para que a pessoa negocie diretamente com o artista. O grande problema deles é não se promover e se divulgar". Diante da grande quantidade e qualidade do material que Lindem gravou na rua, o empresário já sonha em fazer um documentário no cinema sobre esses artistas.

"De certa forma, eu fui ajudando amigavelmente e fui me impressionando com as histórias. Conforme eu fui acompanhando, eu pensei que isso aqui dá para fazer um filme. Então, hoje o meu grande objetivo em relação a esse projeto é criar um filme que documente a história dessas pessoas, que são pessoas atípicas na sociedade" A telona do cinema já mostrou, por exemplo, a vida das três irmãs cegas que andam pelas ruas de Campina Grande, na Paraíba, cantando coco, tocando ganzá e lutando contra a miséria. Em 2005, Regina, Maria e Francisca, ou Poroca, Maroca e Indaiá, como são mais conhecidas, estrelaram o documentário "A pessoa é para o que nasce", que surgiu do programa "Som na Rua", produzido por Roberto Berliner na TV Educativa. "Ai meu Deus, eu estava deitada na cama, de manhã bem cedo, porque eu me acordo às 5 horas. Aí eu liguei o rádio e escutei dizer assim: ´cega está sendo estrela de cinema´. Ai meu Deus, a emoção foi tão grande que quase eu caio da cama. Ó meu Deus, eu nunca pensei de receber assim tanto carinho, meu Deus. Eu pensei que eu não merecia isso não. Parece que ainda estou sonhando com uma coisa dessa. Parece um sonho mesmo". O reconhecimento à arte das três irmãs ceguinhas de Campina Grande é uma exceção. O que existe de fato é uma legião de saltimbancos que perambulam com a sua arte pelas ruas do país ainda sem o devido aplauso.

De Brasília, José Carlos Oliveira

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É dura a vida dos talentosos e criativos artistas que perambulam pelas ruas brasileiras.

Eles penam com a indiferença de parte do público, com o rapa policial e, literalmente, têm de fazer malabarismos para sobreviver.

Com exceção de uma pequena minoria que já consegue patrocínio para suas apresentações, a grande parte dos artistas de rua recebe gorjetas como pagamento.

Fã incondicional da arte mostrada na rua, o empresário carioca Kauê Lindem é dono de uma empresa que hospeda sites na internet.

Um deles é o www.artistaderua.com, criado por Lindem para divulgar o trabalho dos artistas e permitir que eles ampliem a possibilidade de ser contratados para shows.

O empresário conta em que condição encontrou a maioria desses artistas.

"Esses artistas são bem excluídos mesmo da opinião pública. Alguns deles ganham uma grana satisfatória, mas a maioria é ´bicho solto´ mesmo. Tanto é que, em dois anos em que estamos filmando, dois morreram: um foi assassinado e outro teve uma doença pega por meio (da ingestão) de carne de porco. Então, eles são classe C mesmo, no contexto geral".

E haja criatividade para conseguir um dinheirinho. É justamente na hora de passar o chapéu para recolher as gorjetas que o público começa a se dispersar.

Aquela rodinha de curiosos que havia se formado em torno do artista desaparece em segundos. Kauê Lindem fala sobre as artimanhas que alguns artistas de rua usam para tentar garantir um troco.

"Alguns têm algum produto. O Pit, que faleceu, vendia o bonequinho do Pit. Mas, no geral, é o chapéu. Os capoeiristas fazem rodas de capoeira e colocam uns espetáculos de magia no meio e vendem uns cordõezinhos que eles dizem que, na realidade, estão dando de presente para quem dá contribuição para eles. Tem um que vende sabão. No meio do show, ele aproveita que está todo mundo ali vendo as mágicas, tira uma caixa de sabão e começa a dizer que aquele sabão tira catinga, faz piadas com o sabão e fala para as pessoas contribuírem comprando sabão. É bem criativo, muita loucura".

"Tem mulher aí que tem o cabelo bonito, o cabelo grandão, bate em cima da bunda, tira onda no meio da rua, mas quando chega em casa tem até medo de pentear o cabelo. Ela pega o pente e sai isso aqui ó: o cabelo vem todo na mão. Quem perde cabelo tem caspa e seborreia. Aqui estão o jaborandi e a manteiga de cacau. Hei, hei. Tem homem aí que ri de mim e tudo, mas o miserável não pode nem fazer uma barba. Se fizer a barba hoje, amanhã a cara dele parace uma jaca, cheia de caroço".

Já Indiara, da tribo caiapó, no Pará, costuma vender artesanato indígena nos grandes centros urbanos do país e conta com a boa vontade dos turistas estrangeiros.

"O meu trabalho é artesanato para ajudar os outros índios que estão passando necessidades. Então, a gente trabalha para ajudar outras aldeias de outras etnias. Muita gente, principalmente os gringos, leva o nosso trabalho para fora".

No Festival Internacional dos Artistas de Rua da Bahia, impera a tradição do chapéu.

A organizadora do evento, Selma Santos, afirma que, às vezes, a arrecadação é surpreendente.

"Isso é característica dos festivais de rua. O dinheiro do artista vem do chapéu e da disponibilidade de público. A surpresa para a gente aqui foi essa disponibilidade do público baiano. Eu já vi pessoas botando 50 reais no chapéu. Eu vi, era um grupo de Belo Horizonte com um italiano, que foi um sucesso na primeira edição. Então, as pessoas se encantam com aquilo e colocam de 50 centavos a 50 reais. É uma característica: você tem que passar o chapéu. Esse é o pagamento do artista".

Mas passar o chapéu está longe da unanimidade. Muitos artistas se sentem constrangidos de ter de implorar por gorjeta ou outro tipo de pagamento.

Mayra Oliveira, que dirige, em Brasília, o grupo de teatro de rua Esquadrão da Vida Ary Para-raios, acredita que a tradição do chapéu acaba ampliando o preconceito contra os artistas de rua.

"A gente não passa chapéu. Essa não é a prática do esquadrão. Na verdade, a gente entende, mas é contra. Quando eu falo que a gente entende é porque isso é uma coisa que já vem da antiguidade. Desde a Commedia dell´Arte se passa o chapéu. Mas acho que os tempos mudaram. Eu sempre fico muito constrangida e chateada quando vejo algum garoto, que não é menino de rua, no sinal de trânsito, pedindo dinheiro e fazendo malabarismo. Essa profissão tem um glamour muito grande, mas ela não é respeitada. E acho que, no momento em que se passa o chapéu, está se legitimando isso".

Segundo Mayra Oliveira, o governo deveria encontrar meios de incentivar e patrocinar a arte na rua.

O Esquadrão da Vida, que completa 30 anos de atividade, costuma realizar trabalhos em parceria com ONGs ambientalistas, como o WWF e o SOS Mata Atlântica.

Recentemente, a Petrobras desembolsou recursos em apoio ao projeto de resgate do acervo de documentos audiovisuais e iconográficos do grupo de teatro carioca Tá na Rua, por ser referência nacional na pesquisa, formação e criação do teatro de rua.

O diretor do grupo, Amir Haddad, espera que iniciativas como essa se proliferem no mundo da arte na rua.

"São 30 anos de trabalho, então, a Petrobras nos apoiou nesse resgate da memória. Foi muito bom. Eu gostaria que a Petrobras nos apoiasse mais nas nossas atividades de manutenção do grupo, coisa que nunca tivemos. Trabalhamos com muita dificuldade nesses 30 anos".

Mas é raro encontrar um apoio oficial ou mesmo privado aos artistas de rua.

Geralmente, são estes bravos homens e mulheres que financiam a própria produção artística e contam com o incerto retorno financeiro vindo de gorjetas e doações.

Quando Kauê Lindem criou o site de divulgação www.artistaderua.com, a idéia era usar a internet para universalizar espetáculos que, muitas vezes, se perdem entre um olhar e outro no burburinho das grandes cidades.

"O site, na realidade, serve para eles divulgarem os trabalhos deles. No site mesmo, a gente passa o telefone de contato direto com o artista. Já teve caso de o artista achar que a gente está explorando a imagem dele indevidamente e a gente, então, retira do site. Mas, no geral, a gente não tem tido esse problema. A gente não quer atuar como uma agência dos artistas. O nosso trabalho é repassar o contato direto, que não é uma prática comum das agências, para que a pessoa negocie diretamente com o artista. O grande problema deles é não se promover e se divulgar".

Diante da grande quantidade e qualidade do material que Lindem gravou na rua, o empresário já sonha em fazer um documentário no cinema sobre esses artistas.

"De certa forma, eu fui ajudando amigavelmente e fui me impressionando com as histórias. Conforme eu fui acompanhando, eu pensei que isso aqui dá para fazer um filme. Então, hoje o meu grande objetivo em relação a esse projeto é criar um filme que documente a história dessas pessoas, que são pessoas atípicas na sociedade"

A telona do cinema já mostrou, por exemplo, a vida das três irmãs cegas que andam pelas ruas de Campina Grande, na Paraíba, cantando coco, tocando ganzá e lutando contra a miséria.

Em 2005, Regina, Maria e Francisca, ou Poroca, Maroca e Indaiá, como são mais conhecidas, estrelaram o documentário "A pessoa é para o que nasce", que surgiu do programa "Som na Rua", produzido por Roberto Berliner na TV Educativa.

"Ai meu Deus, eu estava deitada na cama, de manhã bem cedo, porque eu me acordo às 5 horas. Aí eu liguei o rádio e escutei dizer assim: ´cega está sendo estrela de cinema´. Ai meu Deus, a emoção foi tão grande que quase eu caio da cama. Ó meu Deus, eu nunca pensei de receber assim tanto carinho, meu Deus. Eu pensei que eu não merecia isso não. Parece que ainda estou sonhando com uma coisa dessa. Parece um sonho mesmo".

O reconhecimento à arte das três irmãs ceguinhas de Campina Grande é uma exceção. O que existe de fato é uma legião de saltimbancos que perambulam com a sua arte pelas ruas do país ainda sem o devido aplauso.

De Brasília, José Carlos Oliveira