A Constituição Federal, em seu artigo 223, define três sistemas de radiodifusão para o Brasil: privado, público e estatal. A diferença entre os veículos de comunicação privados e a mídia estatal é fácil de compreender. Os primeiros são geridos por empresas e têm objetivos comerciais, ou seja, são negócios que visam o lucro. Já os veículos de comunicação estatal são representados, no Brasil, pelas emissoras educativas dos estados e pelas emissoras legislativas, como a Rádio Câmara. A mídia estatal é mantida pelo Estado e tem objetivos culturais, relacionados à educação, além de não veicular publicidade de produtos.
A definição de comunicação pública, porém, ainda causa controvérsia entre os estudiosos do tema. Muitos pesquisadores argumentam que as mídias mantidas pelo Estado, como as tevês legislativas, também são emissoras públicas, pois não têm objetivos comerciais e atendem ao interesse público de toda a sociedade. Mas a opinião não é compartilhada por aqueles que consideram apenas as rádios e tevês comunitárias como emissoras verdadeiramente públicas.
A professora Cicília Peruzzo, da Universidade Metodista de São Paulo, acredita que a comunicação comunitária cria uma nova dimensão para comunicação pública.
"Sem desprezar a pública num sentido governamental, no sentido estatal. Por exemplo, o canal comunitário desenvolve essa dimensão do público porque não tem o vínculo estatal. Realmente é uma dimensão que passa pela participação social em todas a fases do processo. Eu vejo que é uma dimensão da comunicação que realmente precisa ser vista como uma possibilidade de comunicação pública e a gente não ver só o público como o estatal" A Constituição diferenciou os três sistemas para possibilitar a criação de mídias que não fossem geridas nem pela iniciativa privada, nem pelo Estado. Apesar de prevista desde 1988, a participação da sociedade na comunicação só foi efetivada com a inclusão do canal comunitário na legislação da TV por assinatura, em 1995.
Apesar da existência das emissoras comunitárias, o pesquisador da Fundação Getúlio Vargas Octavio Penna Pieranti acredita que o sistema público de comunicação ainda está em construção no Brasil.
"O sistema privado é o sistema comercial, o sistema que sempre existiu, operado por emissoras privadas, e que é importante, enfim. O sistema estatal era aquele constituído pelas emissoras estatais, educativas, federais e estaduais. E a TV pública, a grande incógnita naquele momento, começou a ser pensada em 2007. Então, acho que foi um passo importante. É claro, é um tipo de radiodifusão, é um sistema de radiodifusão que ainda precisa ser constuído, estamos muito no início da rede pública, mas foi um passo muito importante." A criação da TV Brasil, em 2007, ainda está sendo analisada pelos pesquisadores. Há muitas críticas à gestão da empresa e à extrema concentração de poder no Executivo Federal.
O professor César Bolaño, da Universidade Federal de Sergipe, defende a criação de um sistema público de comunicação que seja competitivo, em termos de audiência, e que constitua uma alternativa de programação à TV comercial. César Bolaño expressa algumas das controvérsias sobre a criação da TV Brasil.
"Nós sempre tivemos uma televisão pública. Agora nós temos uma televisão pública mais centralizada no governo federal, mas não tá muito claro pra mim que vá ser muito diferente do que existe hoje. Enquanto não houver vontade política de investir realmente numa alternativa de comunicação, eu acho que vamos continuar mais ou menos como estamos. O governo está contente que tem um TV, ele não brigou com ninguém, a Globo defendeu, os radiodifusores todos defenderam a TV pública. Inclusive, de uma maneira bem interessante, dizendo que a TV pública é importante porque o mercado não pode cumprir determinadas funções, o que é um problema. Parece também que o discurso da TV pública é um pouco para desincumbir a televisão privada das suas obrigações de servço público." Para os gestores da TV Brasil, apesar do caráter estatal da gestão da emissora, a intenção do governo é constituir um canal de comunicação aberto ao público e à produção audiovisual da sociedade. José Roberto Garcez, diretor de Serviço e de Rede da EBC, destaca os objetivos da emissora.
"A EBC nasce com o propósito de ser um catalisador da criação de um sistema de comunicação pública no País. Como nós queremos que o cidadão brasileiro seja cada vez mais um produtor de conteúdos e veja no sistema público de comunicação um sistema apropriado por ele, cidadão, um meio de comunicação pública tem o dever, especialmente no caso da EBC, que se propõe a ser realmente um veículo aberto à sociedade, sob controle da sociedade, ela esteja aberta a essa produção." A participação do público, entretanto, não se limita à veiculação de programas independentes. Para a professora do Departamento de Sociologia da UnB Sayonara Leal, os meios de comunicação públicos precisam constituir uma esfera aberta ao debate das comunidades. Estudiosa das rádios comunitárias no Brasil e na França, Sayonara acredita que essas emissoras são o melhor exemplo das possibilidades de participação pública na mídia.
"A rádio comunitária, com a referência no espaço comum, tem toda uma relação com a noção de esfera pública. Os requisitos mínimos para você ter a configuração da esfera pública é você ter participação, diálogo e pluralidade de idéias, de gostos, de opiniões. No momento em que a rádio promove espaços dialógicos na própria estrutura do seu funcionamento, ela vai preencher os requisitos de uma esfera pública." Além de participarem da locução, as comunidades organizam conselhos públicos que definem a linha editorial, a programação e as ações da emissora em conjunto com a população.
Além da gestão compartilhada, o desafio da mídia pública, seja comunitária ou estatal, é a produção inovadora. Os pesquisadores defendem que a comunicação pública seja um espaço aberto a alternativas, para a criação de novos tipos e formatos de programas e produtos.
A tarefa, contudo, não é fácil. A jornalista e pesquisadora da Universidade Federal de Minas Gerais Cláudia Lemos destaca que os profissionais das emissoras públicas receberam a mesma formação daqueles que atuam na mídia privada. Cláudia ressalta ainda que os jornalistas têm medo de inovar.
"A gente percebe que existe uma intenção de fazer uma cobertura mais completa, menos fragmentada e mais aprofundada. Só que essa intenção, na prática, esbarra na dificuldade de criar novas formas de fazer jornalismo. Os profissionais ainda estão muito presos às formas que eles aprenderam a usar. Os modelos que nós aprendemos e que as pessoas estão acostumadas a consumir nos veículos comerciais são constrangimento muito forte. As pessoas têm receio de que o público não vá gostar. A comunicação pública em geral tem o grande desafio de criar novos formatos de comunicação que atendam aos seus objetivos de promover o debate, de facilitar a participação." O desafio de criar novos formatos e tipos de comunicação pode servir também para a promoção da produção regional, independente, e para a divulgação das diversas manifestações culturais do País. Segundo os pesquisadores, a comunicação pública realmente democrática, aberta à participação dos diferentes grupos sociais, pode servir como espaço privilegiado para diversidade cultural e social brasileira.
De Brasília, Cristiane Bernardes