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A Tragicomédia Acadêmica, O Aluno Genial

“O belo é a manifestação sensível da verdade, já dizia...” “Aaah...”, bocejou sonoramente Maimônides. Teófilo, professor de Estética e de Introdução à Filosofia na Universidade de Brasília, irritou-se: “Quem é que dizia isso, Maimônides?”, quis perguntar sem no entanto o fazer. Afinal, o professor Teófilo não era assim tão estúpido. Era evidente que Maimônides o provocara daquela forma apenas para que ele, Teófilo, o interpelasse. Com certeza Maimônides queria apenas exibir seus conhecimentos. Era óbvio que aquele aluno metido a gênio já havia lido toda a obra de Hegel. “...já dizia Hegel”, concluiu o resignado Professor Teófilo, que, com visível irritação, apertava a garrafinha de whisky, que sempre trazia no bolso do paletó. Às terças e quintas-feiras, Teófilo já acordava de mau humor. Nas tardes desses dias deveria voltar a confrontar-se com aquele maldito geniozinho. Maimônides fazia perguntas embaraçosamente complexas e tinha sempre um argumento cabeludo na ponta da língua. Era um saberete a par de qualquer assunto. Seus conhecimentos ultrapassavam de muito os do professor, afinal, este passara toda a infância e parte da juventude cultivando sem sucesso um talento musical inexistente e, portanto, apenas bem tarde pôde iniciar seus estudos filosóficos. E isso deixava o professor Teófilo, não direi apavorado, mas extremamente tenso e apreensivo. Pois, claro, estava sempre tentando reciclar seus saberes. Não podia deixar sua respeitável imagem de intelectual delir-se na frente dos demais alunos por causa de um pedantezinho qualquer.

Numa certa tarde do mês de Outubro – uma tarde irritantemente quente, é bom lembrar – o professor Teófilo, que já bebera metade da garrafinha de whisky antes de entrar na sala, interrompeu a exposição de um seminário preparado por Maimônides – algo sobre “o artista e o belo como ideal transcendente” – dizendo que este, devido à falta de rigor metodológico, teria seu seminário adiado para o final do semestre. Para o aluno, aquilo tinha um significado claro: o professor estava aquém de compreender o que estava sendo exposto e, portanto, precisava de tempo para inteirar-se do assunto. Pensou, então, em questionar esse método pedagógico tão conveniente, o qual exime o professor da obrigação de ministrar aulas, método esse seguido, com abuso, por um grande número de professores que não têm o que dizer por mais de um mês, esse prostituído método dos seminários. Mas não, preferiu tocar direto na ferida de Teófilo: “Professor, é verdade que o senhor toca violino com maestria?” “Não”, replicou asperamente Teófilo. “Infelizmente nunca tive tempo para praticar.” “E o senhor canta, pinta, desenha... escreve poesia?” “Não”. “Tem visto os lindos crepúsculos desses últimos dias... a lua cheia?” Teófilo irritou-se: “Onde você quer chegar com tudo isso?” Os demais alunos, percebendo a entrada de ameaçadores cúmulos-nimbos na sala, e aproveitando que já era hora, começaram a abandonar discretamente a aula, como ratos que deixam um navio que está prestes a ir a pique. “Ora, professor”, prosseguiu Maimônides, “como o senhor espera ensinar-me algo de estética, algo sobre a Beleza, se o senhor não passa de um artista frustrado, de um homem insensível incapaz até mesmo de se vestir decentemente?” Teófilo pôs-se furibundo; com a mão direita no bolso apertava com vontade a garrafinha de whisky. Agora, pelo menos, estavam a sós na sala. “Olha aqui, menino, quem você pensa que é pra me tratar desse jeito?! Você não...” “Eu sou um gênio”, interrompeu Maimônides. “Rá! !”, berrou Teófilo perplexo. “Era só o que me faltava... perder meu tempo com um presunçoso, um Einstein destes!” e, resmungando, começou a recolher suas coisas. “Sou um gênio”, repetiu o aluno, “e o senhor pode me fazer três pedidos. Farei o possível pra realizar seus desejos”. Teófilo olhou-o sério por alguns momentos. Depois soltou uma debochada gargalhada. “Que absurdo”, pensou, “professor tem de ouvir cada uma...” E pôs-se a esvaziar a garrafinha goela abaixo. “Estou esperando”, tornou Maimônides. “Olha, menino”, começou sarcástico, “já que você é desse tipo de gênio, por que não folheia a ouro as paredes desta sala?” e indicou-as com a garrafinha. “É pra já”, respondeu Maimônides, que, com um estalar de dedos, causou um estouro tão estridente quanto um trovão. Teófilo caiu sentado de tanto susto. Ficou mais pasmo ainda quando, olhando em volta, viu as paredes cobertas por puro ouro. Aquele garoto era mesmo um gênio. “Seu próximo pedido, por favor”, disse o aluno-gênio. Teófilo largou a garrafinha vazia e colocou-se de joelhos. Seus olhos ficaram marejados. “Eu confesso, gênio, eu confesso, sou um insensível, não compreendo realmente o que é tudo isso que a filosofia fala a respeito da beleza, não entendo nada, nunca vi nada que me despertasse um mísero sentimento estético... Sim, infelizmente é verdade. Mas não é minha culpa, acredite, eu... eu... queria... bem...” “Diga.” Teófilo respirou fundo: “Eu quero que você me mostre o que é a Beleza.” O gênio estalou os dedos. A sala ficou escura como breu, não se enxergava a um palmo do nariz. Os olhos de Teófilo saltavam das órbitas. Nunca estivera tão apreensivo como agora. Finalmente conheceria a beleza e poderia tornar-se um verdadeiro músico, talvez um grande compositor. De repente, um ponto de luz. Na altura dos seus olhos, ali, no canto da sala. Foi se intensificando concomitante com o fortíssimo som de uma melodia, que não parecia deste planeta. “Sim”, ele pensou, “sempre soube que a beleza e a verdade seriam ditadas pela Luz. Lá está, há algo ali querendo revelar-se. Algo será dito.” E, de repente, uma mulher nua de quase um metro e oitenta de altura, oitenta e oito de busto, sessenta de cintura, noventa de quadril, cabelos que quase atingiam sua cintura, lábios fartos, olhos vertiginosos como dois abismos, colocou-se entre o perplexo professor Teófilo e o ponto de luz. Ela virou-se, pegou o ponto de luz e usou-o como uma lanterna, iluminando o próprio corpo ora aqui, ora ali, em meio a uma fantástica dança em câmara-lenta. Uma chuva de flores e estrelas caia sobre ela. Teófilo quis jogar a garrafinha na mulher, mas estava paralisado. Será que ela não tinha visto que o ponto iria dizer-lhe, mostrar-lhe o que é a beleza? Piranha desgraçada! Logo, tudo desapareceu: “Satisfeito?”, perguntou o gênio logo que reapareceu. “Como satisfeito se apareceu uma vagabunda que estragou tudo?”, disse Teófilo acabrunhado. O gênio arregalou os olhos: “Você é um bruto, um estúpido mesmo – não é, professor? Será que é cego? Nunca ouviu falar de Afrodite? Ou será que nunca sequer reparou numa mulher?” “Chega de enrolação! Não quero saber de mais nada, isso é tudo uma armação, você não é gênio porra nenhuma!” “Ah, é?! E o que aconteceu aqui, então?” “Estou bêbado, tendo alucinações...” “Que bêbado o quê! Faça logo seu último pedido. Peça algo que considere impossível – excetuando, é claro, uma nova tentativa de contemplar a beleza – e terá sua prova.” Teófilo pensou, pensou, pensou. Por fim, pegou a garrafinha: “Se você é mesmo um gênio, deve morar numa garrafa. Quero ver se você é capaz de entrar nesta aqui!” “Isto é ridículo”, suspirou Maimônides. “Está desperdiçando um pedido...” “Foda-se, entra se isso não for uma armação, seu covarde mentiroso!” Melindrado, o gênio obedeceu imediatamente. “Que idiota!”, pensou ao vaporizar-se. E assim que ele entrou, Teófilo, num átimo, fechou a boca da garrafa. “Vai ficar aí uns mil anos, meu chapa!” e foi até a beira do lago Paranoá, onde, a despeito dos pedidos de misericórdia do gênio Maimônides, atirou a garrafa. Nem mesmo a promessa de se comportar em aula, feita pelo desesperado gênio, demoveu o insensível professor. “Finalmente vou largar esse emprego de merda...”, pensou este enquanto corria, com um formão na mão, pra sala de paredes de ouro.

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“O belo é a manifestação sensível da verdade, já dizia...”
“Aaah...”, bocejou sonoramente Maimônides.
Teófilo, professor de Estética e de Introdução à Filosofia na Universidade de Brasília, irritou-se:
“Quem é que dizia isso, Maimônides?”, quis perguntar sem no entanto o fazer. Afinal, o professor Teófilo não era assim tão estúpido. Era evidente que Maimônides o provocara daquela forma apenas para que ele, Teófilo, o interpelasse. Com certeza Maimônides queria apenas exibir seus conhecimentos. Era óbvio que aquele aluno metido a gênio já havia lido toda a obra de Hegel.
“...já dizia Hegel”, concluiu o resignado Professor Teófilo, que, com visível irritação, apertava a garrafinha de whisky, que sempre trazia no bolso do paletó.
Às terças e quintas-feiras, Teófilo já acordava de mau humor. Nas tardes desses dias deveria voltar a confrontar-se com aquele maldito geniozinho. Maimônides fazia perguntas embaraçosamente complexas e tinha sempre um argumento cabeludo na ponta da língua. Era um saberete a par de qualquer assunto. Seus conhecimentos ultrapassavam de muito os do professor, afinal, este passara toda a infância e parte da juventude cultivando sem sucesso um talento musical inexistente e, portanto, apenas bem tarde pôde iniciar seus estudos filosóficos. E isso deixava o professor Teófilo, não direi apavorado, mas extremamente tenso e apreensivo. Pois, claro, estava sempre tentando reciclar seus saberes. Não podia deixar sua respeitável imagem de intelectual delir-se na frente dos demais alunos por causa de um pedantezinho qualquer.

Numa certa tarde do mês de Outubro – uma tarde irritantemente quente, é bom lembrar – o professor Teófilo, que já bebera metade da garrafinha de whisky antes de entrar na sala, interrompeu a exposição de um seminário preparado por Maimônides – algo sobre “o artista e o belo como ideal transcendente” – dizendo que este, devido à falta de rigor metodológico, teria seu seminário adiado para o final do semestre. Para o aluno, aquilo tinha um significado claro: o professor estava aquém de compreender o que estava sendo exposto e, portanto, precisava de tempo para inteirar-se do assunto. Pensou, então, em questionar esse método pedagógico tão conveniente, o qual exime o professor da obrigação de ministrar aulas, método esse seguido, com abuso, por um grande número de professores que não têm o que dizer por mais de um mês, esse prostituído método dos seminários. Mas não, preferiu tocar direto na ferida de Teófilo:
“Professor, é verdade que o senhor toca violino com maestria?”
“Não”, replicou asperamente Teófilo. “Infelizmente nunca tive tempo para praticar.”
“E o senhor canta, pinta, desenha... escreve poesia?”
“Não”.
“Tem visto os lindos crepúsculos desses últimos dias... a lua cheia?”
Teófilo irritou-se: “Onde você quer chegar com tudo isso?”
Os demais alunos, percebendo a entrada de ameaçadores cúmulos-nimbos na sala, e aproveitando que já era hora, começaram a abandonar discretamente a aula, como ratos que deixam um navio que está prestes a ir a pique.
“Ora, professor”, prosseguiu Maimônides, “como o senhor espera ensinar-me algo de estética, algo sobre a Beleza, se o senhor não passa de um artista frustrado, de um homem insensível incapaz até mesmo de se vestir decentemente?”
Teófilo pôs-se furibundo; com a mão direita no bolso apertava com vontade a garrafinha de whisky. Agora, pelo menos, estavam a sós na sala.
“Olha aqui, menino, quem você pensa que é pra me tratar desse jeito?! Você não...”
“Eu sou um gênio”, interrompeu Maimônides.
“Rá!!”, berrou Teófilo perplexo. “Era só o que me faltava... perder meu tempo com um presunçoso, um Einstein destes!” e, resmungando, começou a recolher suas coisas.
“Sou um gênio”, repetiu o aluno, “e o senhor pode me fazer três pedidos. Farei o possível pra realizar seus desejos”.
Teófilo olhou-o sério por alguns momentos. Depois soltou uma debochada gargalhada. “Que absurdo”, pensou, “professor tem de ouvir cada uma...” E pôs-se a esvaziar a garrafinha goela abaixo.
“Estou esperando”, tornou Maimônides.
“Olha, menino”, começou sarcástico, “já que você é desse tipo de gênio, por que não folheia a ouro as paredes desta sala?” e indicou-as com a garrafinha.
“É pra já”, respondeu Maimônides, que, com um estalar de dedos, causou um estouro tão estridente quanto um trovão. Teófilo caiu sentado de tanto susto. Ficou mais pasmo ainda quando, olhando em volta, viu as paredes cobertas por puro ouro. Aquele garoto era mesmo um gênio.
“Seu próximo pedido, por favor”, disse o aluno-gênio.
Teófilo largou a garrafinha vazia e colocou-se de joelhos. Seus olhos ficaram marejados.
“Eu confesso, gênio, eu confesso, sou um insensível, não compreendo realmente o que é tudo isso que a filosofia fala a respeito da beleza, não entendo nada, nunca vi nada que me despertasse um mísero sentimento estético... Sim, infelizmente é verdade. Mas não é minha culpa, acredite, eu... eu... queria... bem...”
“Diga.”
Teófilo respirou fundo: “Eu quero que você me mostre o que é a Beleza.”
O gênio estalou os dedos. A sala ficou escura como breu, não se enxergava a um palmo do nariz. Os olhos de Teófilo saltavam das órbitas. Nunca estivera tão apreensivo como agora. Finalmente conheceria a beleza e poderia tornar-se um verdadeiro músico, talvez um grande compositor.
De repente, um ponto de luz. Na altura dos seus olhos, ali, no canto da sala. Foi se intensificando concomitante com o fortíssimo som de uma melodia, que não parecia deste planeta. “Sim”, ele pensou, “sempre soube que a beleza e a verdade seriam ditadas pela Luz. Lá está, há algo ali querendo revelar-se. Algo será dito.” E, de repente, uma mulher nua de quase um metro e oitenta de altura, oitenta e oito de busto, sessenta de cintura, noventa de quadril, cabelos que quase atingiam sua cintura, lábios fartos, olhos vertiginosos como dois abismos, colocou-se entre o perplexo professor Teófilo e o ponto de luz. Ela virou-se, pegou o ponto de luz e usou-o como uma lanterna, iluminando o próprio corpo ora aqui, ora ali, em meio a uma fantástica dança em câmara-lenta. Uma chuva de flores e estrelas caia sobre ela. Teófilo quis jogar a garrafinha na mulher, mas estava paralisado. Será que ela não tinha visto que o ponto iria dizer-lhe, mostrar-lhe o que é a beleza? Piranha desgraçada!
Logo, tudo desapareceu:
“Satisfeito?”, perguntou o gênio logo que reapareceu. “Como satisfeito se apareceu uma vagabunda que estragou tudo?”, disse Teófilo acabrunhado.
O gênio arregalou os olhos:
“Você é um bruto, um estúpido mesmo – não é, professor? Será que é cego? Nunca ouviu falar de Afrodite? Ou será que nunca sequer reparou numa mulher?”
“Chega de enrolação! Não quero saber de mais nada, isso é tudo uma armação, você não é gênio porra nenhuma!”
“Ah, é?! E o que aconteceu aqui, então?”
“Estou bêbado, tendo alucinações...”
“Que bêbado o quê! Faça logo seu último pedido. Peça algo que considere impossível – excetuando, é claro, uma nova tentativa de contemplar a beleza – e terá sua prova.”
Teófilo pensou, pensou, pensou. Por fim, pegou a garrafinha:
“Se você é mesmo um gênio, deve morar numa garrafa. Quero ver se você é capaz de entrar nesta aqui!”
“Isto é ridículo”, suspirou Maimônides. “Está desperdiçando um pedido...”
“Foda-se, entra se isso não for uma armação, seu covarde mentiroso!”
Melindrado, o gênio obedeceu imediatamente. “Que idiota!”, pensou ao vaporizar-se. E assim que ele entrou, Teófilo, num átimo, fechou a boca da garrafa.
“Vai ficar aí uns mil anos, meu chapa!” e foi até a beira do lago Paranoá, onde, a despeito dos pedidos de misericórdia do gênio Maimônides, atirou a garrafa. Nem mesmo a promessa de se comportar em aula, feita pelo desesperado gênio, demoveu o insensível professor.
“Finalmente vou largar esse emprego de merda...”, pensou este enquanto corria, com um formão na mão, pra sala de paredes de ouro.