A rede à flor da pele
Uma bela jovem nua briga com o seu namorado, Felipe (Juliano Cazarré), é expulsa de sua própria casa e vai para um apartamento de um fã em Brasília. Ela pede uma bebida, mas não tem. Então Camila Lopes (Leanda Leal) vai escrever para se acalmar e diz “Escrevo porque preciso. Melhor, vivo porque escrevo”.
A menstruação inesperada pega Camila de surpresa que sai para comprar absorvente no supermercado à noite, aproveita para comprar duas caixas de cerveja e dormir nem pensar. Ela vai para frente do computador que levou para a casa do fã e escreve textos para o seu blog.
(Nome Próprio, Brasil – 2007, HD, 120 min.) é o sétimo longa-metragem do diretor Murilo Salles que trata, além da situação de jovens urbanos atualmente, a história de uma desequilibrada e famosa blogueira que tem o sonho de publicar um livro. Assim, como em Nunca Fomos Tão Felizes (84), Faca de Dois Gumes (88), Seja o Que Deus Quiser (2002), ele deixa uma das suas marcas registradas, que é contextualizar o comportamento humano em complicadas situações de vida. Murilo constrói personagens e suas próprias verdades independentemente de uma moral pré-estabelecida pela sociedade.
O roteiro do filme é uma adaptação dos livros Máquina de Pinball (2002) e Cama de Gato (2004) da escritora gaúcha Clarah Averbuck, 28 anos. Ela é o fruto da mais recente forma de mídia e divulgação que conhecemos - a internet. O seu blog chegou a ter mais de 1800 acessos diários, foi o ponto de partida para ela mostrar os seus textos. Clarah é como esse novo meio de comunicação, ou seja, ela é libertária, revolucionária, sem limites e influenciada por outras formas de manifestação, entre eles os escritores (John Fante, Charles Bukowski, Paulo Leminski) e o rock and roll.
Murilo Salles explora de forma primorosa os espaços internos dos apartamentos, onde Camila tem o seu quartel general da expressão literária. Com travelling aéreo, super close, GC (gerador de caracteres) que ajuda enfatizar a poesia quando a sua desmedida personagem escreve o blog. Nas cenas de amor, Murilo desfoca a câmera e trabalha com pouca luz. Esses são alguns dos elementos que compõem a linguagem fílmica de Nome Próprio O fio condutor da história é Camila, vivido pela atriz Leandra Leal, 25 anos. Certamente esse é o principal papel cinematográfico na carreira de Leandra, até o momento. Na telona vemos uma excelente atuação da protagonista carioca. Uma mulher despudorada, corajosa e intensa a cada minuto.
Camila fuma um cigarro atrás do outro, liga desesperada para uma amiga, no seu coração sente um tremendo vazio e ela fica esperando algum contato de Felipe. Começa a pensar em escrever o seu livro, bebe muito, se entope de tranqüilizantes e não come. Como desgraça pouco é bobagem, a escritora tem um saldo devedor de R$ 400, faz um saque emergencial e paga o aluguel do apartamento que está hospedada.
Compulsão, compulsão e compulsão... A blogueira lava a louça, mas não para sob o efeito da bebida e remédios, ela limpa o chão da cozinha, as paredes, limpa a casa inteira. Vai parar no lado de fora do apartamento, onde esfrega até o chão da escada e totalmente tresloucada leva um tombo digno de ser filmado. Finalmente, Felipe toca a campainha e exige que Camila retire os textos do blog. Como uma mulher apaixonada ela fraqueja, pergunta para ele se a ama e o beija na boca. “Minha vida é uma merda”, escreve a carente personagem.
A escritora vai para o Rio de Janeiro, com um clima propiciado por uma trilha sonora alegre num bar, se apaixona pelo francês Henri (Alex Disdier) que literalmente a deixa de quatro. Ela descobre que Henri tem uma mulher e filho, através de fotos. A sua vida segue de bar em bar, Camila se encontra com um casal de amigos e a inveja feminina, somada pelo abuso do álcool toma conta dela. O espectador é brindado com a belíssima fotografia de um mergulho noturno na praia carioca, que termina em uma tórrida cena de amor. A blogueira fica com o namorado dessa amiga e o francês os vêem. Novamente ela fica sozinha, sem dinheiro para pagar o aluguel e sem amor! Pira e compra uma bota caríssima, sai para encher a cara, é despejada do apartamento e pede ajuda aos fãns do seu blog. Surge um típico garoto nerd, Guilherme (David Katz), cheio de espinha na cara e sem a menor habilidade para conquistar uma mulher.
O filme deixa clara a rede de pessoas que giram em torno de um blog, como suas vidas virtuais podem se tornar presenciais e expostas sem o menor pudor. A mãe da escritora aparece em forma de postal, ela entrega uma caixa escrita “kit sobrevivência” com doce caseiro diet, biscoitos e xampu.
Camila, amante de noitadas e bebedeiras, faz a sua balada agora em Sampa. Conhece Rodrigo (Ricardo Garcia), ela quer ser dominada, mas seu novo affair está mais para escravo do que pra dominador. A baladeira reflete, “Meu problema é achar que caos é ordem, eu preciso organizar o caos que eu sou”.
“Vou pra mulher objeto, isso que é vida”, esbraveja a blogueira. Numa outra balada, ela encontra com mais um fã do seu blog, que se correspondia com ela através de um personagem. O perfeito Daniel (Gustavo Machado) e diz “Você é muito para mim, da voz ao tamanho do pau”. Ela acha que com ele encontrou o seu verdadeiro amor.
Sobre o final, Salles deixa em aberto para o espectador ter pelo menos duas interpretações sobre realmente quem é Camila. Acima de tudo, ela tem uma alma apaixonante que exala viscerais sentimentos pelos poros de sua pele.
Nome Próprio está em cartaz nos cinemas.