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Comunicação Social, Os avanços no texto constitucional

Os avanços no texto constitucional

É inegável a influência dos meios de comunicação na vida das pessoas, nos costumes, no modo de vestir e de falar e até no voto. Apesar de seu papel central e de, no caso do rádio e da TV, se tratarem de concessões públicas, os meios de comunicação no Brasil são tradicionalmente muito pouco regulados e fiscalizados.

A constituição de 88 traz no Título "Da Ordem Social", o Capítulo Quinto, que trata da Comunicação Social. São cinco artigos que dispõem sobre as regras dos meios de comunicação. 20 anos depois da promulgação da Carta Magna, especialistas são unânimes em afirmar que apesar dos princípios ali previstos, muito pouco se concretizou na prática.

O professor Venício Lima, pesquisador do Núcleo de Estudos sobre Mídia e Política da Universidade de Brasília, é testemunha dessa dificuldade histórica. Ele assessorou os deputados Cristina Tavares e Artur da Távola, ambos já falecidos, na relatoria da subcomissão e da comissão que discutiu o tema na Assembléia Constituinte. Cristina Tavares, então deputada pelo PMDB de Pernambuco, foi relatora da Subcomissão da Ciência e Tecnologia e da Comunicação, e Artur da Távola, deputado pelo PMDB do Rio de Janeiro, foi relator da Comissão temática da Família, da Educação, Cultura e Esportes, da Ciência e Tecnologia, e da Comunicação. O professor Venício Lima lembra que a comunicação foi a única área a não ter um relatório aprovado, o que fez dela uma das questões mais polêmicas e ideologicamente mais polarizadas de todo o processo constituinte.

"Olhando primeiro na subcomissão, houve uma radicalização de posições o que tornou inviável a negociação. Havia vários pontos de conflito, mas um deles crítico, sempre foi, tanto na subcomissão, como na comissão, a criação de um conselho de comunicação, nos moldes da FCC norte-americana, que fosse também um órgão regulador, independente do Congresso Nacional. O relatório da Cristina, por exemplo, não conseguia nem ser votado. Na Comissão, a situação era ainda mais complicada, mas o Artur da Távola era um sujeito muito habilidoso do ponto de vista político. Houve um determinado momento, para tentar a aprovação do relatório final, que ele abriu mão de propostas que tinham vindo da subcomissão e isso provocou, num primeiro momento, uma reação negativa, inclusive da própria Cristina, mas depois viu-se que era uma tentativa de se aprovar alguma coisa. Eu me lembro pessoalmente, porque estava fisicamente presente, isso foi pra tarde da noite, ficou pro dia seguinte, o prazo já havia terminado. Na verdade, o que aconteceu era uma expressão da correlação de forças dentro do processo constituinte" Na avaliação de Venício Lima, as duas grandes vitórias dos empresários do setor na Constituinte foram a transformação do Conselho de Comunicação em órgão apenas consultivo do Congresso Nacional e a garantia de regras diferenciadas para as concessões de rádio e TV. Ao contrário de outras concessões de serviço público, cuja renovação ou cassação depende apenas do Poder Executivo, no caso das emissoras de rádio e TV, a não renovação da concessão depende de aprovação de, no mínimo, dois quintos dos parlamentares, em votação nominal. Já o cancelamento da concessão, antes de vencido o prazo, depende de decisão judicial.

O texto constitucional acabou por incluir, no entanto, importantes princípios que poderiam representar a possibilidade de uma comunicação mais democrática. O Capítulo da Comunicação proíbe, por exemplo, a censura, o monopólio e o oligopólio dos meios de comunicação e estabelece critérios para a programação, como a promoção da cultura nacional e regional. A maioria dessas normas com potencial democratizante, entretanto, não foi regulamentada. O exemplo mais emblemático, para o professor Venício Lima, é o projeto de lei da ex-deputada Jandira Feghali, do PC do B do Rio de Janeiro, que estabelece os percentuais de programação regional que devem ser obedecidos pelas emissoras de rádio e TV. A proposta tramitou por 12 anos na Câmara e atualmente está em análise no Senado.

A advogada Míriam Wimmer, pesquisadora da Faculdade de Direito da Universidade de Brasília, se dedica ao estudo das políticas de Comunicação. Para ela, apesar de a Constituição Federal avançar em muitos pontos, não só a falta de regulamentação, mas também a falta de participação popular, impede o avanço do tema.

"A nossa Constituição é extremamente garantista, ela assegura vários direitos, de pluralismo dos meios de comunicação de massa. Tanto em relação à propriedade, quando ela veda o monopólio e o oligopólio, quanto em relação ao próprio conteúdo transmitido, na hora em que ela assegura que tem que haver produção regional, produção independente e produção com finalidades educativas. Por isso, eu defendo que não basta a simples positivação de um direito na Constituição para que ele se efetive. Não adianta dizer na Constituição que a gente tem direito à moradia, à saúde e à comunicação, se isso não se transforma em efetiva praxis democrática. Senão, se torna um discurso vazio, um discurso de legitimação que não tem nenhuma substância. Eu entendo que o caminho para uma comunicação mais democrática passa pela luta social, pela mobilização política, pela discussão na academia, enfim, é uma estrada longa, não é um caminho simples, mas acho que é por aí" Depois de 21 anos de ditadura militar, a Constituição de 88 traduzia toda a esperança da redemocratização do país e trazia entre suas cláusulas pétreas -- aquelas que não podem ser alteradas -- o direito à liberdade de expressão e o direito à informação. De lá pra cá, no entanto, um conceito mais abrangente surgiu: o do direito à comunicação. Conforme explica a professora Cicilia Peruzzo da Universidade Metodista de São Paulo, não basta apenas o direito de ser informado, de receber informação pelos meios de comunicação.

"Nós estamos historicamente muito acostumados a receber os conteúdos prontos e o cidadão dificilmente se vê como capaz de produzir, de fazer um programa no rádio ou na televisão. Então, é preciso quebrar essa idéia. De que forma? Democratizando o processo de produção. Agora, nós temos as TVs comunitárias, através dos canais comunitários na TV a Cabo, e também as rádios comunitárias. Eu acho que é o momento de a gente pensar em estúdios populares, centros de produção nos municípios e, nesses locais, pode haver formação do cidadão, do jovem para que essas pessoas sejam "alfabetizadas" nos meios audiovisuais e a partir daí, perder o medo e começarem a interferir na programação" Edgar Rebouças, professor de Comunicação da Universidade de Pernambuco, acredita que a sociedade, mesmo organizada, ainda não está suficientemente envolvida nas discussões em torno da comunicação. "Do mesmo jeito que as pessoas conversam sobre futebol, deveriam conversar sobre comunicação. Por que as pessoas se preocupam se a escola do filho não dá educação adequada? Por que o posto de saúde é preocupação? E o programa da rádio e da TV não é? Então, isso é que a gente tem que levar para sociedade: comunicação é um bem público e que faz parte da Ordem Social. A gente tem que debater, tem que intervir" A realização de uma conferência nacional de comunicação, a exemplo das conferências que foram realizadas nas áreas de educação, meio ambiente e saúde, é a aposta do professor Edgar para que a sociedade finalmente participe desse debate. Um abaixo-assinado, que circula na Internet, pede que o presidente Lula convoque a conferência no ano que vem.

Já o professor Cézar Bolaño, da Universidade de Sergipe, avalia que o processo de redemocratização do país só será concluído quando este último entrave estiver resolvido.

"No Brasil, você tinha uma estrutura de poder no campo da comunicação no período do regime militar que se mantém basicamente intacta: as mesmas famílias, as mesmas empresas, inclusive, as mesmas formas de atuar etc, etc. Então, enquanto não houver uma democratização da comunicação, eu acho que a democratização do país ainda não foi completada. Do meu ponto de vista é basicamente isto: que a sociedade brasileira decida qual a nova estrutura do setor de comunicações que interessa e não deixar isso simplesmente para as disputas de mercado. Por que o que está acontecendo? A Globo perde espaço para Record, a Globo tem problemas com a Telefônica. Então, a estrutura vai mudar, mas por influxo do próprio mercado sem que a sociedade brasileira discuta um setor, que é um setor tão importante como esse, que tem tanta influência na construção da ideologia, do pensamento das pessoas" Uma das formas de acesso da população aos meios de comunicação é através da chamada comunicação pública, praticada por aqueles meios que não são nem privados -- de propriedade particular --, nem estatais -- de controle exclusivo do Estado. O embrião desse tipo de comunicação são as emissoras de rádio comunitárias, mas as tentativas de estabelecimento do sistema de comunicação público, previsto na Constituição, foram recentemente retomadas com a criação de uma rede pública de emissoras de tevê liderada pela EBC -- a Empresa Brasil de Comunicação. Foi o surgimento da EBC, no ano passado, que reacendeu o debate em torno do princípio constitucional já esquecido: o da complementaridade dos sistemas público, privado e estatal de comunicação.

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Os avanços no texto constitucional Advances in the constitutional text

É inegável a influência dos meios de comunicação na vida das pessoas, nos costumes, no modo de vestir e de falar e até no voto. Apesar de seu papel central e de, no caso do rádio e da TV, se tratarem de concessões públicas, os meios de comunicação no Brasil são tradicionalmente muito pouco regulados e fiscalizados.

A constituição de 88 traz no Título "Da Ordem Social", o Capítulo Quinto, que trata da Comunicação Social. São cinco artigos que dispõem sobre as regras dos meios de comunicação. 20 anos depois da promulgação da Carta Magna, especialistas são unânimes em afirmar que apesar dos princípios ali previstos, muito pouco se concretizou na prática.

O professor Venício Lima, pesquisador do Núcleo de Estudos sobre Mídia e Política da Universidade de Brasília, é testemunha dessa dificuldade histórica. Ele assessorou os deputados Cristina Tavares e Artur da Távola, ambos já falecidos, na relatoria da subcomissão e da comissão que discutiu o tema na Assembléia Constituinte. Cristina Tavares, então deputada pelo PMDB de Pernambuco, foi relatora da Subcomissão da Ciência e Tecnologia e da Comunicação, e Artur da Távola, deputado pelo PMDB do Rio de Janeiro, foi relator da Comissão temática da Família, da Educação, Cultura e Esportes, da Ciência e Tecnologia, e da Comunicação. O professor Venício Lima lembra que a comunicação foi a única área a não ter um relatório aprovado, o que fez dela uma das questões mais polêmicas e ideologicamente mais polarizadas de todo o processo constituinte.

"Olhando primeiro na subcomissão, houve uma radicalização de posições o que tornou inviável a negociação. Havia vários pontos de conflito, mas um deles crítico, sempre foi, tanto na subcomissão, como na comissão, a criação de um conselho de comunicação, nos moldes da FCC norte-americana, que fosse também um órgão regulador, independente do Congresso Nacional. O relatório da Cristina, por exemplo, não conseguia nem ser votado. Na Comissão, a situação era ainda mais complicada, mas o Artur da Távola era um sujeito muito habilidoso do ponto de vista político. Houve um determinado momento, para tentar a aprovação do relatório final, que ele abriu mão de propostas que tinham vindo da subcomissão e isso provocou, num primeiro momento, uma reação negativa, inclusive da própria Cristina, mas depois viu-se que era uma tentativa de se aprovar alguma coisa. Eu me lembro pessoalmente, porque estava fisicamente presente, isso foi pra tarde da noite, ficou pro dia seguinte, o prazo já havia terminado. Na verdade, o que aconteceu era uma expressão da correlação de forças dentro do processo constituinte" Na avaliação de Venício Lima, as duas grandes vitórias dos empresários do setor na Constituinte foram a transformação do Conselho de Comunicação em órgão apenas consultivo do Congresso Nacional e a garantia de regras diferenciadas para as concessões de rádio e TV. Ao contrário de outras concessões de serviço público, cuja renovação ou cassação depende apenas do Poder Executivo, no caso das emissoras de rádio e TV, a não renovação da concessão depende de aprovação de, no mínimo, dois quintos dos parlamentares, em votação nominal. Já o cancelamento da concessão, antes de vencido o prazo, depende de decisão judicial.

O texto constitucional acabou por incluir, no entanto, importantes princípios que poderiam representar a possibilidade de uma comunicação mais democrática. O Capítulo da Comunicação proíbe, por exemplo, a censura, o monopólio e o oligopólio dos meios de comunicação e estabelece critérios para a programação, como a promoção da cultura nacional e regional. A maioria dessas normas com potencial democratizante, entretanto, não foi regulamentada. O exemplo mais emblemático, para o professor Venício Lima, é o projeto de lei da ex-deputada Jandira Feghali, do PC do B do Rio de Janeiro, que estabelece os percentuais de programação regional que devem ser obedecidos pelas emissoras de rádio e TV. A proposta tramitou por 12 anos na Câmara e atualmente está em análise no Senado.

A advogada Míriam Wimmer, pesquisadora da Faculdade de Direito da Universidade de Brasília, se dedica ao estudo das políticas de Comunicação. Para ela, apesar de a Constituição Federal avançar em muitos pontos, não só a falta de regulamentação, mas também a falta de participação popular, impede o avanço do tema.

"A nossa Constituição é extremamente garantista, ela assegura vários direitos, de pluralismo dos meios de comunicação de massa. Tanto em relação à propriedade, quando ela veda o monopólio e o oligopólio, quanto em relação ao próprio conteúdo transmitido, na hora em que ela assegura que tem que haver produção regional, produção independente e produção com finalidades educativas. Por isso, eu defendo que não basta a simples positivação de um direito na Constituição para que ele se efetive. Não adianta dizer na Constituição que a gente tem direito à moradia, à saúde e à comunicação, se isso não se transforma em efetiva praxis democrática. Senão, se torna um discurso vazio, um discurso de legitimação que não tem nenhuma substância. Eu entendo que o caminho para uma comunicação mais democrática passa pela luta social, pela mobilização política, pela discussão na academia, enfim, é uma estrada longa, não é um caminho simples, mas acho que é por aí" Depois de 21 anos de ditadura militar, a Constituição de 88 traduzia toda a esperança da redemocratização do país e trazia entre suas cláusulas pétreas -- aquelas que não podem ser alteradas -- o direito à liberdade de expressão e o direito à informação. De lá pra cá, no entanto, um conceito mais abrangente surgiu: o do direito à comunicação. Conforme explica a professora Cicilia Peruzzo da Universidade Metodista de São Paulo, não basta apenas o direito de ser informado, de receber informação pelos meios de comunicação.

"Nós estamos historicamente muito acostumados a receber os conteúdos prontos e o cidadão dificilmente se vê como capaz de produzir, de fazer um programa no rádio ou na televisão. Então, é preciso quebrar essa idéia. De que forma? Democratizando o processo de produção. Agora, nós temos as TVs comunitárias, através dos canais comunitários na TV a Cabo, e também as rádios comunitárias. Eu acho que é o momento de a gente pensar em estúdios populares, centros de produção nos municípios e, nesses locais, pode haver formação do cidadão, do jovem para que essas pessoas sejam "alfabetizadas" nos meios audiovisuais e a partir daí, perder o medo e começarem a interferir na programação" Edgar Rebouças, professor de Comunicação da Universidade de Pernambuco, acredita que a sociedade, mesmo organizada, ainda não está suficientemente envolvida nas discussões em torno da comunicação. "Do mesmo jeito que as pessoas conversam sobre futebol, deveriam conversar sobre comunicação. Por que as pessoas se preocupam se a escola do filho não dá educação adequada? Por que o posto de saúde é preocupação? E o programa da rádio e da TV não é? Então, isso é que a gente tem que levar para sociedade: comunicação é um bem público e que faz parte da Ordem Social. A gente tem que debater, tem que intervir" A realização de uma conferência nacional de comunicação, a exemplo das conferências que foram realizadas nas áreas de educação, meio ambiente e saúde, é a aposta do professor Edgar para que a sociedade finalmente participe desse debate. Um abaixo-assinado, que circula na Internet, pede que o presidente Lula convoque a conferência no ano que vem.

Já o professor Cézar Bolaño, da Universidade de Sergipe, avalia que o processo de redemocratização do país só será concluído quando este último entrave estiver resolvido.

"No Brasil, você tinha uma estrutura de poder no campo da comunicação no período do regime militar que se mantém basicamente intacta: as mesmas famílias, as mesmas empresas, inclusive, as mesmas formas de atuar etc, etc. Então, enquanto não houver uma democratização da comunicação, eu acho que a democratização do país ainda não foi completada. Do meu ponto de vista é basicamente isto: que a sociedade brasileira decida qual a nova estrutura do setor de comunicações que interessa e não deixar isso simplesmente para as disputas de mercado. Por que o que está acontecendo? A Globo perde espaço para Record, a Globo tem problemas com a Telefônica. Então, a estrutura vai mudar, mas por influxo do próprio mercado sem que a sociedade brasileira discuta um setor, que é um setor tão importante como esse, que tem tanta influência na construção da ideologia, do pensamento das pessoas" Uma das formas de acesso da população aos meios de comunicação é através da chamada comunicação pública, praticada por aqueles meios que não são nem privados -- de propriedade particular --, nem estatais -- de controle exclusivo do Estado. O embrião desse tipo de comunicação são as emissoras de rádio comunitárias, mas as tentativas de estabelecimento do sistema de comunicação público, previsto na Constituição, foram recentemente retomadas com a criação de uma rede pública de emissoras de tevê liderada pela EBC -- a Empresa Brasil de Comunicação. Foi o surgimento da EBC, no ano passado, que reacendeu o debate em torno do princípio constitucional já esquecido: o da complementaridade dos sistemas público, privado e estatal de comunicação.