Há quatro mil anos, tábuas cuneiformes registraram a paixão da rainha da Suméria por um pastor. Meu amado, deleite dos meus olhos, declara-se a rainha Inanna. Exemplos do enlevo amoroso são encontrados nas mais diversas culturas nos últimos milênios. Mas embora a paixão seja retratada, não é amor que dita o rumo dos encontros e desencontros dos amantes na maior parte dos registros históricos. Desde a Antiguidade, os pais definiam o destino dos filhos, havendo muito pouco espaço para a escolha pessoal. Eram as alianças políticas e as exigências sociais e econômicas que delineavam os relacionamentos. No entanto, mesmo nessa situação onde os pais tinham autoridade sobre o casamento dos filhos, o amor ia tecendo suas redes. A historiadora e arqueóloga da Unicamp, Marina Cavicchioli, dá o exemplo de uma carta encontrada na cidade de Pompéia, na Roma Antiga.
"Tem uma de uma mulher dizendo para o pai: olha, eu não queria me casar e você me fez casar com ele, e agora eu não quero me divorciar dele, então dizendo que ela amava o marido dela e que ela não queria se divorciar. Mas por uma questão política, o pai estava querendo que ela se divorciasse pra se casar com outro. Então, não dá pra se falar que não havia amor. Porque os casamentos necessariamente não eram escolhas. Muitas vezes eram acordos. Isso não significa que não pudesse haver amor nesses casamentos." Marina destaca um aspecto interessante da vivência do amor em Roma, que é a visão positiva do sexo. Nas sociedades antigas em geral, a sexualidade estava unida à idéia de fertilidade e de boa sorte.
"Há uma idéia extremamente positiva da sexualidade, como alguma coisa que traz boa sorte, que traz boa fortuna, e que às vezes espanta os maus agouros, espanta as coisas ruins. E aí existem uma série de símbolos que hoje nós chamaríamos de pornográficos ou de eróticos, mas que naquele contexto são também símbolos religiosos ou símbolos de sorte. E o falo, e por falo entenda o pênis ereto, ele tem essa idéia, de alguma coisa que traz a sorte e espanta o azar.
Tempos depois, com a consolidação do poder da Igreja Católica, a sexualidade perdeu seu aspecto sagrado. Ao longo da Idade Média, são vários os registros de religiosos que determinam que o sexo só poderia ter fins de procriação. Até mesmo o carinho entre marido e mulher era visto como algo que levava as pessoas ao pecado. No século XII, São Jerônimo dizia que "aquele que ama a sua mulher com um amor demasiado ardente é um adúltero". O casamento ia se construindo como o pilar da estabilidade social, servindo para a procriação e para a união de riquezas. Nesse mesmo período, surgiu a tradição do amor cortês na Europa. O amante era um trovador, e sua amada era uma mulher casada com o senhor de alguma família distinta. Esses poetas cantavam versos românticos para idolatrar a senhora da casa, mas a poesia era muito casta, e a união de corpos sequer era cogitada. No livro "Tratado do amor cortês", algumas das regras deste tipo de amor são enumeradas. Uma delas dizia que, ao olhar a sua amada, o coração do amante começa a palpitar.
Casar por amor foi entrar na moda muito tempo depois. Em 1761, o filósofo Rousseau publica a novela Julie, história de uma moça que se apaixona por um rapaz, mas é obrigada a casar com um amigo do pai que é muito mais velho. Enquanto a Europa se agitava com as batalhas de Napoleão, as pessoas faziam fila para ler o romance. Os livros passavam de mão em mão, e eram até alugados por hora. Aos poucos, se delineava o anseio das pessoas de se juntarem por amor, e não mais por conveniência. A historiadora Mary Del Priore conta que, no Brasil, os jornais do século XIX mostram vários registros de raptos na porta da Igreja, mostrando o desejo cada vez maior pelo amor romântico. "Era freqüente que, à porta da igreja, uma mocinha que estivesse fadada pelos pais a casar com um senhor 30 anos mais velho, que ela fosse raptada pelo rapaz dos seus sonhos. E era muito interessante, porque esse rapto não era um sequestro. E aí os dois íam direto para a cama, longe disso. O rapaz era obrigado a depositar a moça na casa de alguém da mais absoluta confiança da família, podia ser o pároco da cidade, podia ser um padrinho ou uma madrinha, e aí a moça esperava que os pais reconhecerem o direito legítimo dela de se casar por amor, e uma vez esse casamento consentido, para a moça não ficar desonrada, eles iam então ser felizes para sempre." De um lado, o hábito dos casamentos arranjados, que se prestava a manter as tradições e os costumes. Do outro, a ânsia por se casar por amor. Mas se o enlevo romântico entrou na vida das pessoas, o prazer sexual continuou fora do casamento. Mary Del Priore explica que a experiência do erotismo era privilégio dos homens e vivenciado nos bordéis. "Século XIX é ao mesmo tempo o século da consolidação da família burguesa e o grande século dos bordéis, bordéis que no Brasil vão ficando cada vez mais sofisticados, que começam como sendo casa de encontros, mas que no final do século XIX são casas burguesas com espelho, com piano, com mulheres suntuosamente vestidas, quartos suntuosamente decorados, onde os homens são iniciados a uma sexualidade erótica que não pode existir no casamento." O século XX trouxe muitas mudanças na vivência do amor. A emancipação feminina alterou as estruturas das relações e do casamento. A mulher conquista o mercado de trabalho e a chegada da pílula anticoncepcional vai permitir que ela se entregue de forma mais erotizada aos encontros sexuais. O cinema e a televisão mudaram a sociedade, e desde então retratam a busca das pessoas pelo amor. Nos últimos cem anos, os casamentos arranjados reduziram sua participação nahistória, abrindo caminho para o anseio de uma união baseada em afeto e desejo. Ao mesmo tempo, vieram a explosão da pornografia e o divórcio. Segundo Mary Del Priore, todas essas mudanças estão gerando novas formas afetivas. E as suas conseqüências, apenas o tempo dirá.