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A Tragicomédia Acadêmica, Matando um Mosquito com um Tiro de Canhão - parte 1

No dia 25 de Dezembro de 2000, o professor de história e sócio do cursinho pré-universitário Purgatório , Sebastião Epimeteu da Boa Morte, recebeu pelo correio uma caixa de bombons acompanhada da seguinte carta: Mui estimado prof. Epimeteu da Boa Morte Espero que esta lhe encontre bem de saúde e, acima de tudo, nos seus mais prósperos dias de vida, coisa de que não duvido, pois tenho ouvido com grande contentamento as notícias do seu recente casamento e da sua expansão no campo pedagógico. Sei que agora, além de dono de uma rede de cursinhos, também possui outros três colégios de segundo grau fora da nossa cidade. Ficam registrados aqui meus votos de sucesso não apenas nesse seu novo empreendimento mas principalmente na sua vida familiar.

Não sei se o senhor se recorda de mim – e, aliás, por que deveria? Quem sou eu senão apenas um de seus numerosos e felizardos ex-alunos? Sim, estudei no seu cursinho há exatos dez anos e, se o senhor fizer um pequeno esforço mnemônico – coisa simples para um professor de história da sua estirpe – estou seguro de que se lembrará de mim. Meu nome é Adão Mark de Barros e, se o senhor já tiver fresca a memória da minha pessoa, sei que estará deveras surpreso por receber não apenas correspondência mas também um presente da minha parte. Não tivemos, é verdade, uma relação fácil e muito menos agradável. Não podemos nos iludir quanto a isso. Havia, achava eu à época, uma incompreensão mútua. Hoje, após concluir meu mestrado em história – veja só como o senhor me influenciou! – sinto o quão importante foi, para mim, tê-lo encontrado naquele ponto crucial do meu caminho. Graças ao senhor – já não me atrevo a chamá-lo simplesmente de Tião ou de senhor Morte, como costumava – eu encontrei minha realização pessoal e profissional, além da decisiva capacidade para concentrar-me e dedicar-me aos estudos com afinco e disciplina. Hoje, sei que a incompreensão estava apenas a meu lado e que o senhor sabia exatamente o que estava fazendo. Quando jovens, precisamos realmente tomar algumas porradas ou nos metemos por caminhos vãos. Por isto, devo agradecer também a todo o corpo docente que trabalha consigo e que tão bem lhe seguem os passos. Se não fossem por esses professores, hoje eu seria um completo imbecil.

Lembro-me das muitas vezes em que o senhor nos interpelava, buscando saber o quanto havíamos estudado nos livros e apostilas. Se não respondêssemos, tínhamos que nos ajoelhar sobre cacos de vidro. Se nos equivocássemos com datas, lugares ou nomes – além de pagar uma multa de alguns milhares de dólares – tínhamos que beijar os pés dos alunos que respondiam corretamente. Na época, eu achava aquilo o cúmulo do absurdo, mesmo após ter sido reprovado em dois exames vestibulares. Somente hoje percebo o quão correto era o seu procedimento. Realmente, era mais do que necessário ter tudo na ponta da língua. Logo que entrei no cursinho, o professor de química Carlos Ruggieri, o famigerado Rugão, inverteu meus dois prenomes e passou a tratar-me por Mark Adão ou, simplesmente, Markadão. Não sei se o senhor se recorda. Ele queria todas as fórmulas e reações químicas de cor e sempre me pegava em flagrante delito de esquecimento. Não saia do meu pé. Uma vez tentei lhe dizer que achava todo esse método de ensino vazio e estúpido, e que de nada nos servia pois esqueceríamos de tudo após o vestibular. Disse ainda que mesmo quando decorávamos fórmulas e conceitos não tínhamos a menor idéia do significado daquilo tudo.

"O vestibular é um saquinho plástico onde vamos vomitar todo esse material inerte engolido às pressas", continuei eu. "Quem tragar mais, sentindo menos sabor, vai se dar melhor. Depois, eles pesam o saquinho e examinam quem descomeu mais, quem teve menos alimento absorvido pelo sangue..." Ele limitou-se a dar uma gargalhada e perguntar quem era eu pra contestar aquilo tudo. Afinal, segundo ele, mesmo que por minha própria conta eu viesse a compreender de onde tudo aquilo tinha surgido, não era isto que me exigiriam nos exames. Falou-me isto ao ouvido, tentando realçar a importância do que dizia, e, depois, deu-me bolos na mão com uma velha palmatória. É claro que eu tinha a alternativa de mudar de cursinho preparatório, mas o Purgatório era o melhor, eu não poderia abandoná-lo. Talvez o senhor se lembre de que eu quase o fiz. Vocês não se importaram com minha ausência, pois não tinham nada a perder. Sempre houve quem quisesse pagar para estudar ali. Mas quando voltei atrás na minha decisão e regressei, fui obrigado a ficar uma semana vestido de palhaço durante as aulas. Meus colegas, aliás, meus concorrentes não paravam de rir: "Dançou, Markadão!" Agora, pior mesmo, foi no caminho de casa, após aquelas doze primeiras horas diárias de aula. O senhor, claro, sabe o que aconteceu. Dois homens muito fortes e altos, duas verdadeiras geladeiras, me encurralaram num beco escuro e me espancaram. Pensei que fosse um assalto, mas não me levaram nada.

"Isto é pra tu aprender a não largar o Purgatório , seu escroto...", disse um deles. Naquele momento, eu percebi que todos nós temos a liberdade de eleger nosso caminho, mas que, uma vez feita tal eleição, nosso livre arbítrio fica encerrado nos limites da alternativa escolhida. E já que eu pretendia possuir um dia um diploma de nível superior, eu deveria resignar-me aos fatos. Afinal, quem realmente era eu pra contestar esse estado de coisas? Que o ensino de segundo grau não nos ensina nada parecia-me bastante óbvio. Mas e daí? Ele não dá a todos a impressão de que estão aprendendo algo de útil? Que tudo fosse uma mera transmissão de informações e elucidações superficiais pouco importava. Posteriormente não nos tornaríamos sábios na universidade? Por que então reclamar? Lembro-me inclusive que fiquei chocado quando – ao assistir a um filmeco do agente 007, O Satânico Dr. No – a personagem de Ursula Andrews diz ao famoso espião que não precisara estudar em colégios, enquanto acompanhava as várias viagens do pai pelo mundo, pois eles possuíam uma enciclopédia e ela já estava na letra T. Que horror!, julguei eu. Mas ela concluiu: "Aposto que sei mais coisas do que você..."; e aí pensei: acho que ela tem razão. Com a educação que se recebe hoje em dia, presumia eu, muito melhor seria ficar em casa e ler a Barsa de cabo a rabo. Pra que um intermediário humano que apenas cumpre uma função de máquina? Mas não – prosseguia – alguém tem que selecionar nossas informações, pois se não sabemos nada, como podemos saber o que devemos saber? O problema real é: e quem é que sabe? Somos condicionados a apreender coisas e não a aprender com as coisas. Nossa postura numa sala de aula é passiva – não no sentido limitado que muitos idiotas acusam de que apenas ouvimos e não contribuímos em nada, pois todos supostamente sabem alguma coisa. Mas no sentido de que recebemos muita informação não trabalhada, não pensada, não criticada, não interligada criativamente. Os professores, concluía eu, não nos ensinam a capacidade de trabalhar as informações e o conhecimento, mas apenas no-los repassam. Tudo isto cruzava minha mente, professor. É verdade, eu me resignara, mas por dentro eu ainda era pura dinamite. Incrível a capacidade de rebelar-se que os jovens possuem, não acha? A vontade de mudar o mundo. Que bobagem! Quem é que pode ensinar a inteligência?

Há pouco tempo li, num livro que peguei ao acaso, o seguinte: "O ensino da história universal nas chamadas escolas médias ainda hoje muito deixa a desejar. Poucos professores compreendem que a finalidade do ensino da história não deve consistir em aprender de cor datas e acontecimentos ou obrigar o aluno a saber quando esta ou aquela batalha se realizou, quando nasceu um general ou quando um monarca, quase sempre sem significação, pôs sobre a cabeça a coroa dos seus avós. Não, graças a Deus não é disso que se deve tratar. Aprender história quer dizer procurar e encontrar as forças que conduzem às causas das ações que vemos como acontecimentos históricos." Fiquei espantado ao perceber que isto era mais ou menos o mesmo que eu me atrevi a lhe dizer certa vez. O senhor ficou estupefato com minha impertinência: "Quem por acaso é o professor aqui?! Vamos, venha cá! "; e, tirando-me a camisa, açoitou-me com um vergalho tirado não sei de onde. Minhas costas ficaram em carne viva. O quanto lhe odiei naquele momento é difícil de dizer. Mas esteja o senhor seguro do quanto hoje o admiro por aquilo. Imagine!, acreditar que a história – sendo esta o próprio transcorrer da vida de uma civilização – poderia ser um encadeamento de causas e efeitos tal como uma máquina à combustão. Delírio, puro delírio... Li ainda do mesmo autor: "A arte da leitura como da instrução consiste nisto: conservar o essencial, esquecer o dispensável." E ele também cita o quão imbecis são certos indivíduos "lidos", pois acreditam ser a sabedoria um mero acúmulo de conhecimentos, não sabendo, no entanto, como utilizar toda a informação acumulada em suas memórias mecânicas, utilizando sempre os dados errados no contexto errado. Diz ainda que deveríamos acreditar no nosso instinto e tão somente guardar o que nos parece essencial para o pensamento, construindo, assim, uma espécie de mosaico interior, o qual seria um reflexo do nosso próprio gênio. E pensar que eu também acreditei cegamente em tudo isto! Usar as palavras e o conhecimento em benefício de emoções e crenças particulares! O senhor, professor Boa Morte, com sua excelente memória, certamente sabe que quem escreveu tais palavras foi Adolf Hitler. Eu quase não acreditei quando me dei conta: eu pensava de forma equivalente ao terrível nazista... Certa manhã – o senhor com certeza há-de lembrar-se disto – eu me dirigi ao cursinho sem ter feito nenhum dos exercícios que haviam sido propostos no dia anterior. Logo no primeiro horário – uma aula de física – fui descoberto. O professor me mandara ao quadro resolver uma questão de movimento balístico e eu, dizendo-lhe que metesse o giz naquele local, me recusei. Ele ficou estarrecido. Depois furibundo. E, então, quando, na sala de torturas, descobriram que eu não fizera exercícios de matéria alguma, colocaram-me uma camisa de força e me mantiveram ali por uma semana. Sem me deixarem dormir – jogavam-me água gelada a cada meia hora – fui forçado a ouvir gravações com explanações de diversas matérias.

"Você agora vai ficar Markadão pro resto da vida", exclamou o professor Rugão.

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No dia 25 de Dezembro de 2000, o professor de história e sócio do cursinho pré-universitário Purgatório, Sebastião Epimeteu da Boa Morte, recebeu pelo correio uma caixa de bombons acompanhada da seguinte carta:

 

       Mui estimado prof. Epimeteu da Boa Morte

       Espero que esta lhe encontre bem de saúde e, acima de tudo, nos seus mais prósperos dias de vida, coisa de que não duvido, pois tenho ouvido com grande contentamento as notícias do seu recente casamento e da sua expansão no campo pedagógico. Sei que agora, além de dono de uma rede de cursinhos, também possui outros três colégios de segundo grau fora da nossa cidade. Ficam registrados aqui meus votos de sucesso não apenas nesse seu novo empreendimento mas principalmente na sua vida familiar.

       Não sei se o senhor se recorda de mim – e, aliás, por que deveria? Quem sou eu senão apenas um de seus numerosos e felizardos ex-alunos? Sim, estudei no seu cursinho há exatos dez anos e, se o senhor fizer um pequeno esforço mnemônico – coisa simples para um professor de história da sua estirpe – estou seguro de que se lembrará de mim. Meu nome é Adão Mark de Barros e, se o senhor já tiver fresca a memória da minha pessoa, sei que estará deveras surpreso por receber não apenas correspondência mas também um presente da minha parte. Não tivemos, é verdade, uma relação fácil e muito menos agradável. Não podemos nos iludir quanto a isso. Havia, achava eu à época, uma incompreensão mútua. Hoje, após concluir meu mestrado em história – veja só como o senhor me influenciou! – sinto o quão importante foi, para mim, tê-lo encontrado naquele ponto crucial do meu caminho. Graças ao senhor – já não me atrevo a chamá-lo simplesmente de Tião ou de senhor Morte, como costumava – eu encontrei minha realização pessoal e profissional, além da decisiva capacidade para concentrar-me e dedicar-me aos estudos com afinco e disciplina. Hoje, sei que a incompreensão estava apenas a meu lado e que o senhor sabia exatamente o que estava fazendo. Quando jovens, precisamos realmente tomar algumas porradas ou nos metemos por caminhos vãos. Por isto, devo agradecer também a todo o corpo docente que trabalha consigo e que tão bem lhe seguem os passos. Se não fossem por esses professores, hoje eu seria um completo imbecil.

       Lembro-me das muitas vezes em que o senhor nos interpelava, buscando saber o quanto havíamos estudado nos livros e apostilas. Se não respondêssemos, tínhamos que nos ajoelhar sobre cacos de vidro. Se nos equivocássemos com datas, lugares ou nomes – além de pagar uma multa de alguns milhares de dólares – tínhamos que beijar os pés dos alunos que respondiam corretamente. Na época, eu achava aquilo o cúmulo do absurdo, mesmo após ter sido reprovado em dois exames vestibulares. Somente hoje percebo o quão correto era o seu procedimento. Realmente, era mais do que necessário ter tudo na ponta da língua. Logo que entrei no cursinho, o professor de química Carlos Ruggieri, o famigerado Rugão, inverteu meus dois prenomes e passou a tratar-me por Mark Adão ou, simplesmente, Markadão. Não sei se o senhor se recorda. Ele queria todas as fórmulas e reações químicas de cor e sempre me pegava em flagrante delito de esquecimento. Não saia do meu pé. Uma vez tentei lhe dizer que achava todo esse método de ensino vazio e estúpido, e que de nada nos servia pois esqueceríamos de tudo após o vestibular. Disse ainda que mesmo quando decorávamos fórmulas e conceitos não tínhamos a menor idéia do significado daquilo tudo.

       "O vestibular é um saquinho plástico onde vamos vomitar todo esse material inerte engolido às pressas", continuei eu. "Quem tragar mais, sentindo menos sabor, vai se dar melhor. Depois, eles pesam o saquinho e examinam quem descomeu mais, quem teve menos alimento absorvido pelo sangue..."

       Ele limitou-se a dar uma gargalhada e perguntar quem era eu pra contestar aquilo tudo. Afinal, segundo ele, mesmo que por minha própria conta eu viesse a compreender de onde tudo aquilo tinha surgido, não era isto que me exigiriam nos exames. Falou-me isto ao ouvido, tentando realçar a importância do que dizia, e, depois, deu-me bolos na mão com uma velha palmatória. É claro que eu tinha a alternativa de mudar de cursinho preparatório, mas o Purgatório era o melhor, eu não poderia abandoná-lo. Talvez o senhor se lembre de que eu quase o fiz. Vocês não se importaram com minha ausência, pois não tinham nada a perder. Sempre houve quem quisesse pagar para estudar ali. Mas quando voltei atrás na minha decisão e regressei, fui obrigado a ficar uma semana vestido de palhaço durante as aulas. Meus colegas, aliás, meus concorrentes não paravam de rir:

       "Dançou, Markadão!"

       Agora, pior mesmo, foi no caminho de casa, após aquelas doze primeiras horas diárias de aula. O senhor, claro, sabe o que aconteceu. Dois homens muito fortes e altos, duas verdadeiras geladeiras, me encurralaram num beco escuro e me espancaram. Pensei que fosse um assalto, mas não me levaram nada.

       "Isto é pra tu aprender a não largar o Purgatório, seu escroto...", disse um deles.

       Naquele momento, eu percebi que todos nós temos a liberdade de eleger nosso caminho, mas que, uma vez feita tal eleição, nosso livre arbítrio fica encerrado nos limites da alternativa escolhida. E já que eu pretendia possuir um dia um diploma de nível superior, eu deveria resignar-me aos fatos. Afinal, quem realmente era eu pra contestar esse estado de coisas? Que o ensino de segundo grau não nos ensina nada parecia-me bastante óbvio. Mas e daí? Ele não dá a todos a impressão de que estão aprendendo algo de útil? Que tudo fosse uma mera transmissão de informações e elucidações superficiais pouco importava. Posteriormente não nos tornaríamos sábios na universidade? Por que então reclamar? Lembro-me inclusive que fiquei chocado quando – ao assistir a um filmeco do agente 007, O Satânico Dr. No – a personagem de Ursula Andrews diz ao famoso espião que não precisara estudar em colégios, enquanto acompanhava as várias viagens do pai pelo mundo, pois eles possuíam uma enciclopédia e ela já estava na letra T. Que horror!, julguei eu. Mas ela concluiu: "Aposto que sei mais coisas do que você..."; e aí pensei: acho que ela tem razão. Com a educação que se recebe hoje em dia, presumia eu, muito melhor seria ficar em casa e ler a Barsa de cabo a rabo. Pra que um intermediário humano que apenas cumpre uma função de máquina? Mas não – prosseguia – alguém tem que selecionar nossas informações, pois se não sabemos nada, como podemos saber o que devemos saber? O problema real é: e quem é que sabe? Somos condicionados a apreender coisas e não a aprender com as coisas. Nossa postura numa sala de aula é passiva – não no sentido limitado que muitos idiotas acusam de que apenas ouvimos e não contribuímos em nada, pois todos supostamente sabem alguma coisa. Mas no sentido de que recebemos muita informação não trabalhada, não pensada, não criticada, não interligada criativamente. Os professores, concluía eu, não nos ensinam a capacidade de trabalhar as informações e o conhecimento, mas apenas no-los repassam. Tudo isto cruzava minha mente, professor. É verdade, eu me resignara, mas por dentro eu ainda era pura dinamite. Incrível a capacidade de rebelar-se que os jovens possuem, não acha? A vontade de mudar o mundo. Que bobagem! Quem é que pode ensinar a inteligência?

       Há pouco tempo li, num livro que peguei ao acaso, o seguinte: "O ensino da história universal nas chamadas escolas médias ainda hoje muito deixa a desejar. Poucos professores compreendem que a finalidade do ensino da história não deve consistir em aprender de cor datas e acontecimentos ou obrigar o aluno a saber quando esta ou aquela batalha se realizou, quando nasceu um general ou quando um monarca, quase sempre sem significação, pôs sobre a cabeça a coroa dos seus avós. Não, graças a Deus não é disso que se deve tratar. Aprender história quer dizer procurar e encontrar as forças que conduzem às causas das ações que vemos como acontecimentos históricos." Fiquei espantado ao perceber que isto era mais ou menos o mesmo que eu me atrevi a lhe dizer certa vez. O senhor ficou estupefato com minha impertinência:

       "Quem por acaso é o professor aqui?! Vamos, venha cá!"; e, tirando-me a camisa, açoitou-me com um vergalho tirado não sei de onde. Minhas costas ficaram em carne viva. O quanto lhe odiei naquele momento é difícil de dizer. Mas esteja o senhor seguro do quanto hoje o admiro por aquilo. Imagine!, acreditar que a história – sendo esta o próprio transcorrer da vida de uma civilização – poderia ser um encadeamento de causas e efeitos tal como uma máquina à combustão. Delírio, puro delírio...

       Li ainda do mesmo autor: "A arte da leitura como da instrução consiste nisto: conservar o essencial, esquecer o dispensável." E ele também cita o quão imbecis são certos indivíduos "lidos", pois acreditam ser a sabedoria um mero acúmulo de conhecimentos, não sabendo, no entanto, como utilizar toda a informação acumulada em suas memórias mecânicas, utilizando sempre os dados errados no contexto errado. Diz ainda que deveríamos acreditar no nosso instinto e tão somente guardar o que nos parece essencial para o pensamento, construindo, assim, uma espécie de mosaico interior, o qual seria um reflexo do nosso próprio gênio. E pensar que eu também acreditei cegamente em tudo isto! Usar as palavras e o conhecimento em benefício de emoções e crenças particulares! O senhor, professor Boa Morte, com sua excelente memória, certamente sabe que quem escreveu tais palavras foi Adolf Hitler. Eu quase não acreditei quando me dei conta: eu pensava de forma equivalente ao terrível nazista...

       Certa manhã – o senhor com certeza há-de lembrar-se disto – eu me dirigi ao cursinho sem ter feito nenhum dos exercícios que haviam sido propostos no dia anterior. Logo no primeiro horário – uma aula de física – fui descoberto. O professor me mandara ao quadro resolver uma questão de movimento balístico e eu, dizendo-lhe que metesse o giz naquele local, me recusei. Ele ficou estarrecido. Depois furibundo. E, então, quando, na sala de torturas, descobriram que eu não fizera exercícios de matéria alguma, colocaram-me uma camisa de força e me mantiveram ali por uma semana. Sem me deixarem dormir – jogavam-me água gelada a cada meia hora – fui forçado a ouvir gravações com explanações de diversas matérias.

       "Você agora vai ficar Markadão pro resto da vida", exclamou o professor Rugão.