Diversidade Artística
Desde a antiguidade, homens, mulheres e crianças usam o espaço público das ruas para exibir a sua arte.
Em troca de gorjetas ou de reconhecimento, os saltimbancos, mambembes ou simplesmente artistas de rua povoam o cenário das grandes e médias cidades do mundo inteiro, há séculos.
Aqui no Brasil, eles estão praticamente em todas as áreas de grande aglomeração popular e mostram as mais variadas expressões artísticas, sem barreira e sem censura no contato com o público.
Estátuas-vivas, contorcionistas, acrobatas, músicos, dançarinos, capoeiristas, mímicos, poetas, mágicos, truquistas, pintores, desenhistas, contadores de caso, malabaristas, atores de teatro, cordelistas, repentistas e uma infinidade de figuras exóticas que saltam em direção a círculos de faca e fogo ou se deitam em cama de prego, enfim, todos esses artistas driblam as adversidades do dia-a-dia para divertir os pedestres nas ruas e os motoristas no sinal de trânsito.
O alagoano Edmilson da Gaita, por exemplo, sempre esquece a cegueira e a dificuldade de locomoção que possui quando exibe, no centro de Maceió ou do Rio de Janeiro, sua versão do hino nacional, ao som de gaita e tambor.
Também em apresentações solo, o saxofonista Aldo Capote costuma se exibir no centro de Curitiba.
Hoje, ele não depende mais da rua para sobreviver, mas continua utilizando o espaço público da charmosa Rua das Flores para treinar novos acordes e harmonias musicais.
Capote, porém, faz questão de enaltecer o tempo em que perambulava pela capital catarinense empunhando seu sax.
"Eu trabalhei na rua, como saxofonista, em Florianópolis, onde passei três anos. Lá, eu trabalhava no semáforo, no centro da cidade. Até a hora em que eu arranjei (um lugar) na rodoviária: tem uma passarela com cúpula côncava em cima, que faz um eco, que dá a impressão de que se ligou o saxofone num microfone com acústica. Ali, eu ganhei bastante dinheiro. Eu conseguia me manter, manter aluguel, casa, comida, esse tipo de coisa". Métrica, rima e oração formam a espinha dorsal da literatura de cordel, uma das expressões artísticas mais populares nas ruas do país.
O cordelista pernambucano Edmilson Santini já deu um passo à frente ao introduzir elementos do teatro brincante à farra artística das ruas.
"Eu ia às feiras e ouvia as histórias em cordel. Eu misturo o cantar e o contar e aí tem-se a possibilidade de fazer o brincante. Enquanto narrador de histórias em cordel, eu viro um pouco brincante, dentro das minhas possibilidades. Eu canto ciranda, coco, baião, xaxado sempre mantendo a métrica e a rima em estrofes de seis, de sete e de dez. Faço ´galope à beira-mar´ e ´martelo agalopado´, mas sempre tendo como espinha dorsal o formato da literatura de cordel". As ruas brasileiras também estão abertas aos ritmos de todas as nações.
Numa simples caminhada por uma área central ou comercial das cidades, o pedestre costuma cruzar com músicos latinos que amenizam a balbúrdia urbana com a autêntica sonoridade dos Andes.
Um deles é o Grupo Chaskys, que toca e canta o folclore dos índios quechua do Equador.
A indiazinha Chiza Marisela interrompeu a cantoria que o grupo fazia na Praça do Mercado Público, no centro de Porto Alegre, para contar à Rádio Câmara sobre as outras atividades artísticas que leva para as ruas e também para elogiar a receptividade do público, por onde quer que o grupo passe.
"En Chile, Argentina, Bolívia, Colombia, por toda parte, el publico es muy amable. Aquí en Brasil, también nos han tratado muy bien. Los públicos son lo más que nos dan ánimo. Hacemos música, trabajamos en otras cosas también. Por ejemplo, yo hago música, danzo, canto y, cuando estoy en Ecuador, hago artesanías y también trabajo en otras otras actividades". Espetáculo na rua pressupõe bom humor e originalidade.
Isso era tudo o que tinha Edson de Souza, criador de Pit, um boneco mágico feito de papel, que animava a rua Uruguaiana, no centro Rio.
O bonequinho encantava a platéia desconfiada ao dançar, ajoelhar, saltitar e levantar braços e pernas sem nenhum tipo de manipulação.
"Não é macumba, não. A senhora fala e ele obedece. Ô Pit, tira os pés do chão, meu irmão. Não rebola, não, pô. Levita legal. Não pula não porque quem pula é veadinho lá na mata. A pessoa interessada no bonequinho é só dar uma volta aqui no escritório. Não é lá em cima não. Ainda agora eu mandei a moça dar a volta aqui, ela foi perguntar onde era o escritório do Pit. É aqui, olha só". Mas em novembro do ano passado, Edson, o criador de Pit, foi assassinado quando chegava em casa, em São Gonçalo, na região metropolitana do Rio.
A polícia ainda investiga o caso. Amigos e admiradores enfeitaram seu local de apresentação na rua com flores, cartazes e uma réplica de Pit, o boneco de papel.
Essa mesma arte que une, reúne e diverte também serve para despertar reflexões críticas.
A arte de rua no Brasil já ganhou até um festival anual em Salvador, com direito a atrações internacionais.
De Brasília, José Carlos Oliveira.