Nas aulas da professora Andreia Silva Brito nenhum aluno fica parado. Eles são estimulados a pensar a matemática como algo presente em cada segundo de suas vidas. Andreia Silva Brito foi escolhida a educadora do ano 2008, a melhor entre cinco mil inscritos no Prêmio Educador Nota 10, promovido pela Fundação Vítor Civita. Andreia tem 14 anos de magistério, doze deles dedicados à rede pública de ensino e hoje ela dá aulas numa escola pública de Presidente Médici, cidade de 22 mil habitantes no interior de Rondônia, a 300 km de Porto Velho. Recebendo um salário de mil e quinhentos reais para trabalhar 40 horas, o projeto pedagógico de Andréia é simples e cheio de resultados: traz o ensino da geometria e matemática para o cotidiano dos alunos, a partir do 7º ano. Se a aula é sobre possibilidades, Andréia começa a explicar com uma situação prática: um árbitro num jogo de futebol, com a moeda e o cara ou coroa. Os alunos recebem muito bem a metodologia, vibra Andreia.
"Sabe por quê? Porque eles se sentem valorizados na participação. Porque o que eu estou colocando para eles, nesse agir? Que eu não sou detentora da verdade, e que eles não chegam à escola sem conhecimento algum sobre a matemática. Eles trazem muitos conhecimentos. O que eu faço? Aproveito esses conhecimentos que eles trazem para dar um tratamento científico, eu tenho que fazer uma transposição didática em cima dele." Uma pesquisa da Fundação Getúlio Vargas revelou um dado surpreendente: dos jovens de 15 a 17 anos fora da escola, 40% disseram que deixaram os bancos escolares por pura falta de interesse. Para quase dois milhões de jovens a escola é tão pouco atrativa que não vale a pena continuar frequentando as aulas. O educador Vítor Paro é autor de dezenas de livros sobre educação e é professor aposentado da USP. Ele explica que vários educadores, como Piaget e Vygotsky, já ensinavam, no início do século 20, que a pior forma de ensinar é aquela em que o professor fala e o aluno escuta. É preciso envolver o educando, ensina Paro.
"Suponhamos que a escola devesse passar só conhecimentos, que é o que a nossa escola se propõe, mesmo isso precisaria ser passado de uma forma integral, de uma forma interessante, de uma forma que levasse a criança a querer aprender. E a pior forma de ensinar é botar as crianças sentadas, isso não é forma de ensinar, isso é um sacrifício." Já que envolver o aluno é tão melhor para o processo de aprendizado do que simplesmente escrever a matéria no quadro-negro, porque a maioria dos professores prefere a segunda opção? Andréia tem algumas pistas sobre isso. Para ela, a maioria dos professores recebeu a própria educação copiando matérias no caderno e simplesmente repete o que aprendeu, apesar de todo o conhecimento sobre outros métodos de ensino vistos na universidade. O educador Vítor Paro concorda que os professores sentem dificuldade em abandonar as práticas escolares que eles aprenderam quando crianças.
"É preciso conhecer essa criança. Só que o professor que está lá, passou por uma escola que também não conhecia criança. Ele introjetou um certo modo de vida, certos preconceitos. É como se você aprendesse a ser racista desde criança, você vai precisar de 30 anos para tirar o racismo da sua cabeça, porque ele é muito forte. O modo de tratar o outro que ele aprendeu na infância é o modo autoritário. Ele não aprendeu a reprovar no curso de pedagogia. ele aprendeu a reprovar sendo reprovado." Tânia Ramos Fortuna é professora da Faculdade de Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Ela dirige o Programa de Extensão Universitária "Quem quer brincar? ", que já tem dez anos de existência. Tânia Fortuna diz que é através do brincar que as crianças se relacionam com o mundo e se comunicam. Além disso, brincando a criança lida com os próprios medos e angústias, explica a professora. Por isso ela acha que as escolas deveriam respeitar mais a necessidade de brincar das crianças, ao invés de proibir qualquer diversão.
"Até os 6 anos, se admite, e até se valoriza a brincadeira. A partir do ingresso no ensino fundamental, a brincadeira é execrada, é eliminada do currículo, porque agora é hora de atividades sérias. Só que esta ideia está baseada num equivoco. Como se brincar não fosse sério. E não há nada mais sério do que estar brincando. ... Portanto, este equívoco que separa o brincar do estudar é baseado numa compreensão errônea de que a brincadeira não é séria. E também uma compreensão errônea de que estudar não dá prazer. Se nós conseguirmos combinar essas duas atividades, estaremos diante de uma revolução pedagógica." Vítor Paro também contesta a postura da escola ao separar o aprender do brincar.
"A criança só se prepara para viver se ela viver bem. Viver bem para a criança significa brincar. Então a escola, antes de tudo, um lugar onde pudesse brincar. A primeira coisa que as nossas escolas, baseadas em métodos jesuíticos ainda, do século 16, 17, a primeira coisa que faz é proibir a criança de brincar. Não pode conversar com o outro, não pode conversar na aula. Que aula vagabunda é essa em que não se pode conversar? A escola está toda estruturada para um ensino atrasado.
A professora Tânia Fortuna acha que a revolução na escola é vagarosa, mas já está acontecendo. Ela lembra que existem exemplos espalhados no país todo, infelizmente ainda pontuais.
"Eu tenho tido a oportunidade de circular em muitos estados, e no interior, e tenho podido ver iniciativas que me dão muita esperança, que me enchem de confiança no fato de que existem hoje educadores firmemente convencidos de fazer a escola um lugar importante na vida das pessoas." Os educadores Tânia Fortuna, Vítor Paro e Andréia Brito, têm a mesma opinião. Eles lamentam que nossas escolas sejam enciclopedistas, baseadas no acúmulo progressivo de conteúdos sem sentido para a vida concreta das crianças e adolescentes. De Brasília, Adriana Magalhães.